Assisti 300. Não gostei e não recomendo. Quer ver lutas? Estão todas na trilogia Matrix. Quer aprender História? Vá ler um livro. Quer se irritar? Vá ver 300. Antes que perguntem, eu não li os quadrinhos.

Não gostei da forma como as mulheres foram tratadas no filme. Nenhuma das mulheres tem nome. A moça que atuou como oráculo parecia ter fugido de uma propaganda de perfume (aquelas com seres que não existem, tipo sereias ou ninfas) ou de uma clínica para anoréxicas. Magérrima, etérea, quase infantil, corpo ainda em formação, fazendo poses sinuosas e eróticas, totalmente à mercê dos homens à sua volta. O pior é que a única menção à beleza no filme é para essa menina. Parece que as mulheres espartanas não merecem ser chamadas de belas porque, pela determinação, mais se assemelham aos homens. Que “linda” mensagem pró-pedofilia, pró-submissão e pró-anorexia, hein?

As outras mulheres que apareceram foram de forma horrível também. Na tenda de Xerxes, mulheres seminuas se tocavam e ondulavam como se fosse dança do ventre. A insinuação de lesbianismo é apenas para deleite masculino, e só pode acontecer na corte do inimigo (os espartanos são praticamente assexuados, ou, pelo menos, donos de uma sexualidade muito conservadora). A mulher de Leônidas (que não tem nome!) manipula os conselheiros para poder falar na Câmara, fazendo parecer que mulheres só conseguem alguma projeção se usam o corpo como moeda de troca.

Ainda existem vários outros defeitos, mas o que mais me incomodou foi ver Leônidas distinguindo entre o “atraso” dos povos que acreditam em magia (oráculos gregos, a cultura persa) e a necessidade de todos adotarem a sua racionalidade como ideal de vida e luta. Pelo que me lembro das aulas de Filosofia, a razão que ele pregava é típica do Iluminismo. No filme, serviu à idéia de conquistar outros povos para poderem preservar não só a própria liberdade, mas também a de todo o mundo conhecido, além de combater o misticismo e levar a racionalidade aos outros povos. George W. Bush agradece a ajuda ideológica.

Pra finalizar, a oposição herói-inimigo é de doer. Os espartanos lutam sem roupas, os persas lutam com muitas roupas e máscaras exageradas e espalhafatosas. Os espartanos só prezam a honra, os persas só querem luxo, ouro (quanto mais piercings, melhor) e poder. Os espartanos são todos bonitos e parecidos, dentes branquinhos e perfeitos. Os exércitos persas são um festival de problemas físicos, dentes destruídos, várias etnias diferentes. Os espartanos são unidos e amigos leais. Os persas são escravos explorados de Xerxes. O líder dos espartanos luta com os soldados de igual pra igual. O líder dos persas fica num trono, sem lutar, tendo ataques de mau humor e dando ordens para os soldados. Pra coroar esse duelo Eu-Outro, o traidor que conta a Xerxes o caminho secreto era também espartano, mas desprezado (deveria ter morrido na infância) por não ser fisicamente perfeito (na verdade, parecia um orc). A mensagem é clara: não matamos o lixo social a tempo, então ele fez besteira. Pessoas heróicas, branquinhas, boazinhas, super-unidas e escolhidas no nascimento, como eram os espartanos, nunca fariam uma traição dessas, né?

Ainda poderia falar da referência pejorativa aos atenienses como pederastas, e da caracterização de Xerxes, que ficou num meio termo entre uma drag queen e o Mumm-Ra dos Thundercats. Mas vou parar por aqui. Acho que já ficou bem evidente minha impressão: paguei pra ver um festival de preconceitos, espartanos-estadunidenses bonzinhos morrendo para defender a liberdade e a racionalidade do mundo, encarnada pelos persas-iranianos e seus apoiadores, que são gente “feia” que acredita em “misticismo”, tem vários “problemas” (especialmente em relação à sexualidade) e é contra a “liberdade”. Da próxima vez, fico em casa.