Lembram deste post, quando falei que o Judiciário é masculino? Pra quem ainda duvida (e teve gente que duvidou), sugiro a leitura atenta do texto abaixo, especialmente quanto aos argumentos para a desigualdade entre homens e mulheres no Judiciário:
Justiça machista na América Latina
23 de abril de 2007Os homens continuam sendo maioria no sistema de justiça da América Latina, especialmente nos cargos de maior responsabilidade, confirma o estudo apresentado em um fórum internacional realizado nesta quarta-feira na capital argentina.
Marcela Valente
Buenos Aires, 19/04/2007(IPS) – Os homens continuam sendo maioria no sistema de justiça da América Latina, especialmente nos cargos de maior responsabilidade, confirma o estudo apresentado em um fórum internacional realizado nesta quarta-feira na capital argentina.
“O que primeiro se observa é que as mulheres têm menos acesso do que os homens aos cargos em toda a região e que a segregação é maior na medida em que sobe a pirâmide dentro do Poder Judiciário”, disse à IPS Luz Piedad Caicedo, da organização não-governamental Humanas Colômbia e da Articulação Regional Justiça e Gênero.
O Seminário Internacional sobre as Mulheres nas Profissões Jurídicas reuniu em Buenos Aires advogadas, juízas, funcionárias judiciais e acadêmicas de Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França e seis países da América Latina. A pesquisa, intitulada “Diagnostico da situação das mulheres dentro do sistema de administração de justiça. Noções jurídicas e percepções culturais em seis países latino-americanos: Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador e Peru”, foi realizada por diferentes organizações de mulheres em cada uma dessas nações.
As conclusões do estudo não se correspondem com o aumento crescente de mulheres nas carreiras universitárias de direito, que são maioria em muitos países. Também contrasta com o que ocorre na França, onde há uma maioria crescente de juízas, segundo a especialista Anne Boigeol, do Centro Nacional de Pesquisa Científica. O trabalho foi feito com base na pesquisa de igual de homens e de mulheres que trabalham como promotores e em tribunais de diferentes instâncias, incluindo magistrados de tribunais supremos dos seis países. Dessa forma foram comprovados “problemas comuns e também particularidades de cada país”, explicou Caicedo durante a apresentação do estudo.
Em todos os países estudados, os homens são maioria entre juizes e promotores. Na Argentina, os homens são quase 64%, na Bolívia 61%, no Peru 65% no Equador chegam a 83%. Por outro lado, na Colômbia a proporção de homens cai para 52% no Chile para 56%. O principal destino das mulheres é a área do direito de família, considerado socialmente como o mais ligado ao mundo feminino e o de menos prestígio profissional. Mas também há maior acesso de mulheres em tribunais novos, como ocorre na Argentina e no Chile, ou naqueles onde há restrições de ação positiva, como na cidade de Buenos Aires.
A respeito das percepções sobre mecanismos de progresso na carreira, 68% dos entrevistados e entrevistadas consideram que são “adequados” ou “muito adequados”. Mas ao detalhar os resultados por gênero se vê que enquanto 77% dos homens assim consideram, a mesma avaliação entre as mulheres baixa para 59%. Em comparação com a média geral por país, as iniqüidades parecem ser maiores. Por exemplo, 93% dos bolivianos consideram que os mecanismos de ascensão são adequados, mas apenas 42% das bolivianas pensam assim.
Quando perguntados por que acreditam que eles chegam com mais facilidade aos cargos desde os que se administra justiça, as respostas também diferem segundo o gênero. Uma das mais votadas é o machismo dominante na cultura judicial. No Chile, 46% das mulheres consideraram que o machismo incide na chegada dos homens a esses cargos e somente 24% dos homens deu essa resposta. No Equador, 28% das mulheres responderam que o machismo é o motor de chegada dos homens e apenas 9% dos homens deram essa resposta.
O estudo sugere que os estereótipos também influem no acesso dentro da carreira. As pesquisadoras perguntaram quais são as qualidades dos homens que lhes permite chegar e eles destacam sua formação e experiência. Elas o atribuem aos seus contatos políticos e o fato de ser mais equânimes. A respeito das qualidades, os homens afirmam que as mulheres conseguem os cargos por serem mais metódicas, por seu compromisso, constância e capacidade de empatia e negociação. No Equador e Peru, uma elevada porcentagem de homens e mulheres afirmou também que elas são mais honestas.
Quando consultados sobre as razões desse acesso desigual, os homens explicam que elas “não estão interessadas” ou “não se capacitam” para melhores postos, já as mulheres dizem que “são os mecanismos” judiciais que as discriminam, além de razões sócio-familiares pelas quais o estudo não é aprofundado. A pesquisa tampouco analisa se um eventual aumento da participação feminina no poder judicial repercutirá em maior garantia de cumprimento dos direitos das mulheres. Caicedo disse à IPS que, embora a proporção igualitária seja um direito em si mesmo, não garante mudanças na jurisprudência.
“Em muitos casos se vê que há preconceitos similares em homens e mulheres”, acrescentou Caicedo. Também lembrou que as ferramentas internacionais que garantem o respeito aos direitos humanos e protegem as mulheres não são mais reconhecidos por mulheres do que por homens. “O desconhecimento é altíssimo e generalizado”, destacou. A especialista afirmou que, apesar de muitos países adotarem tratados da Organização das Nações Unidas e do sistema interamericano às suas normas, os encarregados de administrar justiça “têm um olhar muito local” em suas decisões e não apelam para estes instrumentos que em alguns temas permitiriam sentenças mais avançadas. (IPS/Envolverde) (FIN/2007)