Meus últimos estudos têm me mostrado que somos completamente ignorantes em História do Brasil, especialmente o período Vargas. Só falamos dos direitos trabalhistas, mas nos esquecemos que ele foi o responsável pelo Código Penal, pelo Código de Processo Penal, e por uma série de mudanças legislativas que tinham por objetivo “moralizar” a sociedade, forçando todas as pessoas a adotarem o modelo burguês de família nuclear, com clara divisão de papéis: o homem como competitivo, autoritário e provedor, e a mulher como santa mãe inocente, gentil e indefesa que necessita da proteção masculina.

Uma dessas providências foi o dia das mães, criado, através do Decreto 21.366/32, por solicitação da feminista Alice Tibiriçá (órfã desde a infância). Curiosamente, cerca de dois meses antes deste decreto, as mulheres obtiveram o direito ao voto. (coincidência? Susan Faludi diria que não…)

Diz o Decreto criando de Dia das Mães:

DECRETO N. 21.366 – DE 5 DE MAIO DE 1932
Declarando que o segundo domingo de maio é consagrado às mães
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:

Considerando que vários dias do ano já foram oficialmente consagrados à lembrança e à comemoração de fatos e sentimentos profundamente gravados no coração humano;
Considerando que um dos sentimentos que mais distinguem e dignificam a espécie humana é o de ternura, respeito e veneração, que evoca o amor materno;
Considerando que o Estado não pode ignorar as legítimas imposições da consciência coletiva, e, embora não intervindo na sua expressão, e do seu dever reconhecê-las e prestar o seu apoio moral a toda obra que tenha por fim cultuar e cultivar os sentimentos que lhes imprimem, força afetiva de cultura e de aperfeiçoamento humano,

DECRETA:

Art. 1º O segundo domingo de maio é consagrado às mães, em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 5 de maio de 1932, 111º da Independência e 44º da República.
GETULIO VARGAS.
Francisco Campos.
Fonte: http://www.campinas.sp.gov.br/bibjuri/boletimabr2003.htm

Ou seja: mãe é aquela mártir que só tem bons sentimentos, e é a responsável pelo aperfeiçoamento da humanidade. Isso é no mínimo ridículo, se nos lembrarmos que em 1932 mulheres praticamente não tinham acesso à escola, e aperfeiçoar a humanidade era só mesmo repetindo o discurso que o padre ou o pai dizia que era pra elas fazerem: serem humildes, delicadas, batalhadoras, obedientes…

Acho que é desnecessário falar que “bons sentimentos” não são a prática do mundo. Nem mulheres nem homens são santos, e crianças são maltratadas e espancadas aos montes por quem deveria cuidar delas. Acreditar que mulheres que são mães têm o monopólio do afeto e dos “bons sentimentos” é uma forma horrível de invisibilizar as agressões e as angústias que envolvem a responsabilidade por cuidar de uma pessoa em formação.

Querer homenagear as mães por elas terem cuidado de nós, orientado e corrigido erros, tudo bem. Que tal fazer isso todo dia, com carinho, atenção, sem obrigação de se mostrar para vizinhos e sem ser consumista? Existem milhares de tipos de mães (e de filhos, e filhas), e nem sempre esse ritual prescrito pela mídia agrada a todo mundo.

O que não concordo é tratar o endeusamento da maternidade, que tem o ápice no Dia das Mães, como única forma de realização feminina, ainda mais relacionando-o com uma visão de sacrifício, de afeição automática e eterna. E abomino o movimento que cria esse endeusamento para servir como política de Estado, implantando uma visão de moral e bons costumes bastante limitadora das possibilidades de vida das mulheres.