Recentemente, o Fórum Econômico Mundial divulgou relatório e ranking 2011 do Global Gender Gap, que mede o índice mundial de desigualdade de gênero. Dos 134 países estudados, o Brasil ocupa atualmente o 82º lugar.
Como em 2010 estávamos em 85º lugar, esta melhora no ranking seria um motivo para comemoração. No entanto, não há motivo para isso. Desde 2006, quando foi feito o primeiro estudo, que classificou o Brasil como 67º no ranking dos países mais igualitários, o que se viu foi a queda nessa posição: 74º (2007), 73º (2008), 81º (2009), 85º( 2010). Mesmo nos momentos em que houve uma recuperação mínima no índice, nota-se uma grande distância em relação ao resultado de 2006.
É importante ressaltar que o resultado de 2011 (82º lugar) coloca o Brasil em último lugar da América do Sul. Ou seja, por mais que o Brasil seja considerado uma potência econômica e política na região, está pior que os países vizinhos quando se trata de garantir a igualdade entre homens e mulheres.
Entendendo o Global Gender Gap
O Global Gender Gap é uma análise de dados obtidos em outras pesquisas, que procura identificar disparidade de gênero nos países. No relatório de 2006, foram analisados dados de 115 países. Esse número cresceu com o passar dos anos e desde 2009 são 134 os países estudados.
A pesquisa é feita por meio da análise da participação de homens e mulheres em quatro áreas temáticas consideradas fundamentais: participação econômica, educação, saúde e poder político. Cada uma dessas áreas é estudada através de variáveis obtidas por meio de pesquisas de diversas instituições internacionais. O Global Gender Gap utiliza pesquisas feitas pela Organização Internacional do Trabalho, Fórum Econômico Mundial, Unesco, CIA, Organização Mundial de Saúde e União Interparlamentar.
Obviamente, não se trata de um sistema perfeito de análise. Muitas outras pesquisas e variáveis poderiam ser utilizadas, envolvendo questões de raça, classe, juventude e maternidade/paternidade, e que certamente trariam um resultado mais matizado em relação à igualdade de gênero. Mas, a partir dos resultados atuais, já é possível, mesmo para um leigo, concluir que falta muito para o Brasil ter igualdade de gênero, e inclusive perceber onde estão alguns problemas graves nessa questão.
Saúde
O Brasil sempre ocupou a primeira colocação no ranking do Global Gender Gap quando a área temática é a saúde. Porém, antes de nos alegrarmos com esse resultado, é importante saber que as variáveis para a área de saúde são bem simples: expectativa de vida e proporção de nascimentos entre homens e mulheres. Certamente, se fossem utilizadas outras variáveis como mortalidade infantil ou expectativa de vida em relação à raça, e até mesmo o impacto de políticas para a redução da pobreza, os resultados seriam bem diferentes.
É interessante observar que, ao longo dos anos, a expectativa de vida masculina vem se aproximando da feminina. Se antes a expectativa era de 62 anos para mulheres e 57 para homens, atualmente a expectativa é de 66 anos para mulheres, e 62 para homens. Isso pode ser resultado direto das políticas públicas e do cuidado universal com a saúde feito pelo SUS.
Educação
Esta é outra área temática cujos critérios são bem simples, mas reveladores: compara a alfabetização, escolaridade primária, secundária e em nível superior, de homens e mulheres.
É importante lembrar que mulheres serem escolarizadas é uma situação bastante recente. No início do século XX, as mulheres eram em regra analfabetas, pois não se considerava necessário que aprendessem mais do que que limpar uma casa, costurar, cozinhar e cuidar das crianças – questões que não eram ensinadas nas escolas. Diversos fatores, inclusive a pressão das feministas, fizeram com que as mulheres tivessem o direito de serem escolarizadas. O resultado é que as mulheres entraram no século XXI com mais anos de estudo e maior escolaridade que os homens. Inclusive isso fica nítido no Global Gender Gap: as mulheres brasileiras ultrapassaram os homens nos estudos de terceiro grau.
Os índices brasileiros são altos, especialmente em relação ao acesso à educação. No entanto, o Brasil vem caindo no ranking: estava em 32º lugar em 2009, e agora está em 66º. O motivo é a desproporção em relação à educação primária e secundária: nos últimos anos a proporção de meninas estudando é menor do que a de meninos.
Essa disparidade gera problemas a longo prazo, pois a escolarização primária, além de ser requisito para iniciar a secundária, é fator importante para aumentar oportunidades e romper o ciclo de pobreza (que atinge majoritariamente mulheres). Se as meninas não estão na escola primária, é importante identificar por que não estão estudando, e políticas públicas precisam ser colocadas em prática imediatamente para evitar que essa falha na formação educacional as impeça de estudar e gere desigualdade na vida adulta.
Participação econômica
Os critérios do Global Gender Gap para análise econômica são a participação na força de trabalho, a igualdade de salários para trabalho igual, a renda auferida, a proporção de legisladoras, cargos de gerência e de alto escalão, e a proporção de mulheres trabalhando em cargos técnicos.
Em relação a esse ranking específico, o Brasil já esteve no 59º lugar, caiu para 75º em 2009, e agora encontra-se no 68º. Porém, esses índices variam para cada um dos critérios adotados. A igualdade em cargos técnicos está em 1º lugar no ranking, enquanto a igualdade de salários vem caindo ano após ano no ranking: em 2008 o Brasil estava em 100º lugar, e em 2011 encontra-se em 124º. Lembrando-se que, dentre os 134 países avaliados pelo relatório, o Brasil está nos últimos lugares quando se trata do pagamento de salário igual para trabalho igual.
Cargos de gerência, legisladoras e alto escalão ainda estão restritos a 36% das mulheres, enquanto que há igualdade nos cargos técnicos. Fica evidente, assim, o teto de vidro que impede as mulheres de ascender profissionalmente. Levando-se em conta que as mulheres têm mais escolaridade que os homens, é importante identificar por que há, ainda, essa disparidade no acesso a altos cargos.
A participação das mulheres na força de trabalho ainda é menor que a dos homens, seus rendimentos também são menores que os dos homens, e sua taxa de desemprego é maior do que a dos homens. Essa desigualdade é bastante complicada quando lembramos que pelo menos um terço das famílias brasileiras é mantida economicamente apenas por mulheres. Se mulheres não têm acesso ao mercado de trabalho formal, têm salários 2/3 menores que os dos homens e taxa de desemprego maior, fica nítida a demanda por igualdade de gênero e políticas públicas específicas para modificar essa situação e evitar a perpetuação do ciclo de pobreza.
Apesar de esses dados indicarem que há muito a ser feito para melhorar a situação econômica das mulheres brasileiras, há ao menos uma boa notícia: a desproporção em relação aos salários anuais de mulheres e homens existe e é bastante acentuada, mas vem diminuindo. Está longe de haver paridade de salários, mas a diferença de mais de R$ 6 mil entre salários de homens e mulheres em 2006 atualmente está em cerca de R$ 5 mil. Nota-se ainda que tem havido o aumento na renda das mulheres, sem diminuição da renda masculina. Pode parecer pouco, mas, a cada vez que essa distância diminui, sem perda de salário para ambos os sexos, é um bom passo em direção à igualdade de gênero e à diminuição da pobreza.
Poder político
Os critérios do Global Gender Gap para o poder político são bem simples: percentual de mulheres no Parlamento, percentual de mulheres nos ministérios e número de anos nos quais houve uma mulher como chefe de Estado ou de governo.
Em todos esses critérios o Brasil está entre os piores do mundo, ocupando a 114ª posição no ranking político. Os dados do ranking estão atualizados apenas no que se refere a termos uma presidenta. Em relação a ministérios e poder legislativo os dados se referem a 2010: eram apenas 9% de mulheres no Parlamento, e 7% de mulheres ocupando ministérios no governo Lula. Dilma Rousseff está no poder há um ano, com um ministério composto por cerca de 25% de mulheres. Mas isso não é suficiente para melhorar o quadro de participação política, pois a presença feminina no Legislativo ainda é ínfima: segundo o Cfemea, as mulheres foram eleitas para 8,77% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 13,28% do Senado Federal (eram 14,81% na legislatura anterior). Porém, o número de mulheres senadoras certamente é menor, tendo em vista que Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann, ao se se tornarem ministras do governo Dilma Rousseff, abriram espaço para seus suplentes, que são homens.
O alto grau de escolarização das mulheres e a ascensão cada vez maior no mercado de trabalho não têm se refletido no poder político, que continua predominantemente masculino. É importante ampliar essa discussão, de forma a encontrar alternativas para empoderar as mulheres, possibilitando seu acesso também ao poder político.
Por fim, o Global Gender Gap deixa bastante claro que é impossível haver igualdade de gênero sem que haja também igualdade política, para que as próprias mulheres decidam como as leis e políticas públicas devem solucionar os problemas de seu cotidiano, ao invés de terem essas situações mediadas por homens, que atualmente são os detentores do poder político.
O Brasil tem um bom índice educacional (com falhas), tem um bom índice de saúde (certamente com falhas). No entanto, o poder econômico e especialmente o poder político ainda são inacessíveis para a maioria das mulheres. É necessário mudar isso para que a situação das mulheres melhore, proporcionando uma efetiva igualdade de gênero.
Publicado originalmente na edição impressa nº105 (dezembro de 2011) Revista Fórum.
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