Nas últimas semanas, observei que foram publicadas várias notícias relacionadas à morte de mulheres cujos ex-maridos/ex-companheiros as mataram por não aceitar o fim do relacionamento. Por um lado, é bom dar visibilidade a uma situação que, infelizmente, ocorre com freqüência. Por outro lado, a redação dos casos não é cuidadosa, e muitas vezes ou privilegia o ponto de vista masculino ou insinua que a vítima foi a responsável pela própria morte. Em outros casos, muito pior é ver que o homicida é tratado de forma melhor do que a vítima.

Essa nota do Uai é um exemplo disso: a mulher se separou do companheiro, ele não aceitou, a matou e se suicidou em seguida. Só que ela foi velada na casa da família dela, e ele, na Câmara Municipal.

O caso acima me impressionou muito pelo fato de o velório do homicida ocorrer em prédio público, como se a cidade aprovasse o comportamento criminoso do falecido e legitimasse uma relação de posse que viola todos os direitos da mulher assassinada. E ainda temos o recado velado para as mulheres que desejam se separar: se o companheiro quiser matá-las e se suicidar, eles serão pranteados e compreendidos por toda a cidade, mas elas são objetos rebeldes que não receberão esse tratamento especial. Isso foi publicado no “jornal dos mineiros”, como se fosse a coisa mais normal do mundo alguém cometer um crime, morrer para não ser responsabilizado pelo que fez, e ainda ser velado em local de honra.


Como o Uai apaga as notícias depois de algum tempo, segue a íntegra do absurdo. Destaque para o título “casamento acaba em morte”, mas no corpo do texto ficamos sabendo que o casamento já tinha acabado (pelo menos para ela), e o casal estava separado.

Casamento acaba em morte na Grande BH
10:14

(Fábio Fabrini/Estado de Minas)

Uma relação amorosa de 10 anos terminou em tragédia em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na noite de sexta-feira, o cabo da Polícia Militar Astrogésimo Nunes Rodrigues, de 43 anos, executou a tiros a companheira, a comerciante chilena Sandra Marlene Martinez, de 38, matando-se em seguida. O crime ocorreu em um dos bares mais movimentados da cidade, na presença de cerca de 200 pessoas. De acordo com policiais e parentes do casal, eles se separaram há alguns meses, mas o autor dos disparos não se conformava com o rompimento.

Sandra se divertia com três amigos na Choperia Tequila, na Avenida José Gabriel de Rezende, Centro de Bicas. O cabo chegou ao bar por volta das 21h, foi até a mesa da vítima e a cumprimentou. Em seguida, tomou um chope, sozinho, no balcão. Pouco depois, dirigiu-se ao grupo, sacou a arma e atirou três vezes na cabeça de Sandra Martinez. Astrogésimo se matou com um tiro no ouvido direito. Policiais do 2º Pelotão de Bicas levaram os dois ao Hospital Regional de Betim, mas eles morreram pouco depois de dar entrada no pronto-socorro.

O cabo e a comerciante se conheceram há pouco mais de dez anos e viviam numa casa do Bairro Estância Paraopeba até a separação, há cerca de três meses. Ela era dona de uma ótica e ele – pai de quatro filhos adolescentes, fruto de outras relações –,trabalhava na Seção de Orçamento e Finanças da 7ª Companhia Independente de Igarapé. Segundo colegas do policial, depois do rompimento, Astrogésimo apresentava comportamento estranho e chegou a confidenciar a um dos filhos que se mataria. Ele teria deixado um bilhete melancólico, cuja existência não foi confirmada pela PM.

O major Alex Fernandes da Silva, comandante da 7ª Companhia, conta que, diante da situação, o cabo teve a arma recolhida na sexta-feira. No entanto, os tiros partiram de um revólver calibre 38, de propriedade da corporação. Um inquérito militar será aberto para apurar como o policial teve acesso à arma. “No dia do crime, ele trabalhou até as 17h e não se mostrou diferente. Fizemos uma confraternização e ele estava brincalhão. Até programava viajar para Bom Despacho, sua cidade, na manhã de hoje (sábado). Algo aconteceu, das 17h às 21h, que o fez tomar essa atitude”, lamentou o major.

Enterro

Astrogésimo foi admitido na PM há 24 anos e, em breve, faria um curso para ser promovido a sargento. Era bastante popular em Bicas. Seu corpo foi velado na tarde de sábado, na Câmara Municipal. Em seguida, foi levado para Bom Despacho, onde será enterrado. Sandra foi velada na casa da família, no Centro de Bicas.