Nas últimas semanas as pessoas têm me perguntado qual a minha opinião sobre o Femen. Pelo que já li, não compartilho com as ideias do grupo em relação à prostituição, mas estava esperando para ver como o grupo se desenvolve, e especialmente como seria a adaptação das ideias das ucranianas (que a gente só conhece por vias tortas, através de mil traduções e reportagens que podem não ser confiáveis) ao Brasil. O Femen ucraniano existe desde 2008, mas o brasileiro só começou depois que Sara Winter foi fazer um estágio na Ucrânia em junho deste ano.
Bom, eu continuo esperando maiores informações. E não só eu. Várias feministas [ver lista de links no final deste post] estão questionando o Femen Brazil (é, com Z mesmo) e tentando saber ao certo quais os objetivos do Femen, que vem sendo apresentado pela mídia como o que há de mais importante no feminismo atual. Porém, o que vimos até agora não é nada animador.
Semana passada estouraram no Facebook inúmeras críticas a Sara Winter, porta-voz do Femen BR. Um post antigo dela criticava veementemente a Marcha das Vadias (sendo que em entrevistas recentes Sara afirmou que parte da inspiração do Femen BR se deve à Marcha das Vadias). Também foi criticada por se definir como direita nacionalista, ter tatuado uma cruz de ferro e considerar Plínio Salgado, Ronald Reagan e Getúlio Vargas (notórios opositores dos direitos das mulheres) como pessoas que a inspiram.
Em resposta às críticas, o Femen BR publicou no facebook uma nota dizendo-se apolítico (lembrando que feminismo é um movimento de caráter político). Tentaram consertar para apartidário, mas a confusão nos comentários foi tanta que apagaram o tópico. Sara Winter pediu que enviássemos perguntas, fez uma twitcam para se explicar, mas não explicou muita coisa.
A última nota de esclarecimentos Femen BR é rasa, não explicando questões importantes: por que se definem como neofeministas, a qual feminismo se filiam, quais são seus objetivos, quais serão as ações concretas do grupo, etc. Gabi Santos, que chegou a entrar para o Femen BR, fez uma carta aberta explicando por que estava saindo do grupo e reclamando da falta de informações.
O que tem me intrigado é que o Femen Br está em seu início ainda, não é registrado como ong e nem está consolidado, mas já recebe doações, vende produtos e é tratado pela mídia como um grupo feminista tradicional que merece todas as atenções (inclusive entrevista na Marília Gabriela, participação no SuperPop e na CasaTPM).
Cada ação do Femen BR recebe atenção midiática, transformando a criação e ampliação do grupo em um reality show. Sabemos que nudez feminina rende cliques e anunciantes enquanto manifestações tradicionais são descritas como “gente chata atrapalhando o trânsito”. Mas eu não imaginava que o desespero por cliques que caracteriza o jornalismo punheteiro havia chegado ao ponto de divulgarem cada manifestação de 2 ou 3 mulheres de topless pertencentes a um grupo que não disse ainda a que veio.
Enquanto a mídia deslumbrada se dedica ao reality show Femen Br, a blogosfera (especialmente no facebook) mais uma vez faz o que jornalistas se esqueceram de fazer: desconfiar dos silêncios, das respostas fáceis e da falta de diálogo com movimentos sociais:
- Quando o Femen Br concordou em participar de uma manifestação anti-mensalão organizada por um rapaz que se diz de direita popular, foi a pressão das pessoas via e-mail que fez com que o Femen Br voltasse atrás e desistisse de participar do ato
- Na última semana foi descoberto e divulgado à exaustão o blog antigo da Sara Winter (agora acessível apenas para cadastrados), no qual ela se definia como direita nacionalista e criticava a Marcha das Vadias. Ainda há muita especulação sobre sua tatuagem e seu nome no grupo (Sarah Winter foi uma nazista britânica). Foi divulgada uma foto de Sara em apresentação da banda skinhead Bronco Army em março de 2012; um trecho da música “Vadia”, dessa banda: “Vadia! Parasita de cena/Lixo vale mais do que você“.
- Também foi feito um levantamento de informações sobre o nacionalismo do Femen ucraniano (o original), e sobre suas tendências de direita. Há relatos sobre islamofobia e xenofobia, além de combaterem a prostituição e o turismo sexual nos moldes da direita (desrespeitando a opinião das maiores interessadas no tema: as prostitutas)
- Apesar de o Femen Br se declarar apolítico e apartidário, o assessor do Femen Br Andrey Russo é candidato a vereador pelo PMN em Santo André – SP (ele menciona explicitamente sua parceria com o Femen Brazil em sua pauta de campanha)
Enfim, é curioso constatar que a blogosfera tem feito as perguntas incômodas, não respeitado os silêncios e ido atrás das respostas, fazendo o trabalho que jornalistas têm evitado fazer. E agora, como parte do reality show, o que temos visto é a apropriação das investigações pela grande mídia, criando o cenário para demonizar Sara Winter (pelo seu passado) e o Femen Br pelos silêncios.
A novela segue, mas o que me incomoda é que até agora não sabemos exatamente o que o Femen Br quer, ou quais são seus planos, questionamentos e contribuições para o feminismo brasileiro.
Leiam também:
- Post esclarecedor da Marcha das Vadias do DF Sobre o Femen Brazil e sobre os múltiplos feminismos contemporâneos
- Letícia Oliveira expõe as relações entre um candidato a vereador de Santo André pelo PMN-SP e o Femen Br
- Um pouco sobre a história da Ucrânia e das ideias políticas que influenciam o Femen
- Carta aberta da Gabi Santos comunicando sua saída do Femen Br
- Priscilla Britto questionando e procurando abrir o diálogo com o Femen Brazil: Nosso Brasil se escreve com “S” e nosso movimento não é assim não
- A Deh Capella fez uma carta ao Femen Br que traduz as inquietações e dúvidas feministas acerca do grupo
- São bastante pertinentes os comentários da Deborah Sá sobre os métodos de recrutamento do Femen Br, bastante verticalizados, criando “soldadas do neofeminismo”
- A opinião da Lola sobre o Femen traz um excelente repositório de links sobre o grupo, com críticas bastante pertinentes não só ao Femen, mas também à forma como criticamos as militantes do Femen
- Questionamento da Maíra Kubík Mano sobre os métodos do Femen Br: O neofeminismo e o neonazismo
- Questionamentos importantes do grupo O machismo nosso de cada dia
- Posicionamento da Marcha das Vadias de Curitiba
Acredito que a passagem de Sara Winter pela mídia se dá de forma banalizada e cheia de questionamentos. Durante o programa-baixaria de Luciana Gimenez, Sara e sua outra parceira estiveram de frente a um grupo de especuladores subcelebrizados que fizeram posicionamentos toscos e mal formulados, os quais ambas não souberam se esquivar e tampouco se defender. Uma escritora brasileira, ex garota de programa também convidada da noite que protestou contra a pirataria de seus livros com os seios de fora manteve o argumento e teve de tomar as rédeas da situação e defender praticamente só o assunto do programa: ‘Protesto com nudez’. Para uma pessoa que faz parte de uma organização de cunho político (sim, o Femen tem sim um contexto político apesar de não assumir, ou mesmo compreender, o caráter social de suas ações) Sara não tem argumentos e parece mais uma adolescente revoltada do que a dita mulher forte que luta por seus direitos, por respeito a igualdade de sexos e auto respeito. Infelizmente essa é a cara do neofeminismo que o Femen Bra-Z-il tem apregoado e praticado.
Eu conheci o Femen Brazil no De Frente com Gabi e me identifiquei muito com a causa. De imediato busquei mais informações e tentei dar apoio com o meu blog. Não sei porque me considerei parte do grupo.
Eu estava há tempos precisando de um texto como o seu, claro, conciso e escrito sem deboche. Bem, não vou deixar de acreditar no grupo e nem na Sara, pelo menos não agora. Vou esperar mais uns dias pra ver se eles respondem meus emails…
A novela segue… agora é esperar pra ver!
Vou ler o resto do seu blog, adorei isso aqui ;D
Abraços,
{http://umgurientregurias.blogspot.com.br/}
Lindo. Agora, além de agüentar ser confundidas com extremistas como supremacists, as feministas têm de agüentar ser confundidas com esse grupo confuso e sofrer sua demonização em bloco.
Não sei qual é o mecanismo psicanalítico que nos faz gostar tanto de inversões. Quando algum grupo diz veementemente ser “apolítico” ou “apartidário”, é 99,7625% de chance de ser lugar-tenente de algum interesse político muito específico (experiência própria, infelizmente)!
[…] Femen Brazil: o reality show por Cínthia Semíramis. […]
Eu confesso que peguei o “bonde andando” sobre o Femen e passei as últimas 24horas tentando me atualizar com o tema desde como sobre tudo começou lá na Ucrânia.
Entendi que há tipos diferentes de feminismos. Entendi que algumas pessoas parecem estar aborrecidas com as estratégias usadas pelo Femen. Existem essas especulações sobre o passado da Sara Winter , etc.
Sou completamente ignorante no assunto, mas até aí eu já entendi.
O que não consigo entender é pq tantos ataques a menina.
Eu como leiga e que nem conhecia o assunto vim parar aqui por causa do Femen. Elas conseguiram atrair minha atenção sobre o assunto e acredito que muitas outras pessoas tb.
Não seria o caso de tentarem se unir? Eu ainda não sei nada sobre nada e não tenho formação acadêmica na área sequer pra conseguir discutir o assunto com vcs, que escrevem como se fosse pra uma sociedade secreta pq só vcs entendem. rs Desculpem minha total ignorância. rs
Mas era isso que eu queria dizer, que bem ou mal, é por causa delas que muitas pessoas agora terão suas atenções voltadas para o assunto. Primeiro fazem piada, e depois páram pra pensar!
Não vejo a nudez de belas mulheres como um problema, ao contrário! É orgulho! Ou estou errada e sendo machista de pensar assim? Não sei, ainda tenho muito que ler, muito que aprender.
Mas não posso deixar de reconhecer que foi graças a elas que um outro mundo e outra perspectiva de vida e visão de mundo se abriram pra mim.
Favoritei o blog e muitos outros pra com calma ler mais e estudar.
=)