Tenho visto com alguma frequência várias homens se referindo a feministas como “feminazis”, associando erroneamente o feminismo ao nazismo. Alguns deles até fazem ressalvas do tipo “feminazis são as feministas que eu considero radicais”, repetindo o erro clássico de querer classificar as mulheres de acordo com seus preconceitos. Feministas não-radicais, para eles, são as que defendem direitos das mulheres, desde que concordem com o que eles acham que são direitos das mulheres.

Feminazi é um termo que mostra completa ignorância a respeito não só de feminismo e luta pelos direitos das mulheres, mas de conhecimentos básicos de história. Feministas foram perseguidas pelos nazistas, que tinham uma visão extremamente limitada: mulheres deveriam obrigatoriamente ser mães, portanto estudos superiores e creches foram limitados, e aborto e métodos contraceptivos foram proibidos. O discurso feminista de emancipação das mulheres foi atribuído aos judeus, aumentando os motivos para persegui-los. A política nazista é anti-feminista, como bem demonstrou Kate Millett.

Em suma: feminazi é um termo que denota ignorância ou má-fé de quem o profere, pois vai contra tudo o que se sabe sobre nazismo e sobre feminismo. Feminazi é um termo que só é utilizado por conservadores para tentar desqualificar quem luta pela implementação dos direitos das mulheres.

Em 1980, Gloria Steinem escreveu “Se Hitler estivesse vivo, de que lado estaria?”, criticando os conservadores antiaborto por associarem feministas a nazistas (repito: em um caso claro de ignorância e/ou manipulação histórica). Ao compilar esse e outros artigos no livro “Memórias da Transgressão”, Gloria Steinem explicou no prefácio o contexto no qual escreveu o artigo. Vou transcrever essa explicação aqui, pois estamos passando por momento semelhante, no qual corre-se o risco da mídia importar o termo feminazi, fazendo vistas grossas para o fato de se tratar de uma manipulação conservadora:

Há dezesseis anos “Se Hitler Estivesse Vivo, de Que Lado Estaria?” foi escrito para expor o fato de grupos antiaborto tentarem equacionar judeus com fetos e aqueles que apóiam abortos legais, fruto da escolha de cada uma, com nazistas. Essa retórica inflamada acabara de substituir uma tentativa frustrada da direita em pintar a legalidade do aborto como uma trama genocida contra a comunidade negra, uma alegação com pouca base na verdade (mulheres brancas estavam e estão mais propensas a se submeter a um aborto do que as de cor). A tática teria sido mais bem-sucedida se não tivesse sido engendrada por uma maioria de racistas brancos que se queixavam também de que “o mundo ocidental branco está se suicidando por meio de abortos e anticoncepcionais”. Eu achei que a mídia perceberia o cinismo dessa campanha nova e ultrajante, assim como o fato histórico de que Hitler e os nazistas eram, na realidade, antiaborto. Declarar o aborto um ato criminoso contra o Estado, crime pelo qual médicos e pacientes poderiam ser presos, fechar clínicas de planejamento familiar e banir informação a respeito de anticoncepcionais—tudo isso fazia parte dos esforços nazistas para aumentar a população ariana, eliminando ao mesmo tempo judeus e outros cidadãos indesejáveis de formas mais imediatas.

Hoje, uma década e meia depois, os grupos antiaborto ainda comparam os pró-escolha a nazistas, sem serem interpelados pela mídia. Essa retórica inflamada já causou ou justificou bombardeios e outros ataques terroristas contra clínicas de saúde reprodutiva com uma freqüência de, em média, uma vez por mês. Houve também homicídios e tentativas de homicídios de médicos e funcionários das clínicas.

Teriam resultados tão violentos servido para conter a retórica antiaborto? Acho que não. Pelo contrário, tornou-se parte do mainstream. Rush Limbaugh, apresentador de um programa de televisão e integrante da direita radical, que ganhou popularidade durante o atual recuo contra a igualdade, conseguiu comprimir a falsa equação de feministas com nazistas em uma só palavra: “feminazi”. Em 1992, ao lhe pedirem para definir o termo, ele explicou: “Uma feminazi é uma mulher — uma feminista — para quem a coisa mais importante do mundo é que o maior número possível de abortos ocorra”.

Eu jamais conheci alguém que preencha tal descrição, muito embora ele a despeje sobre mim e sobre muitas outras mulheres. Na verdade, o direito de ter um filho com segurança, assim como o direito de decidir quando e se ter filhos, sempre foi a nossa meta. Por exemplo, uma das maiores batalhas feministas foi a investida contra a esterilização através de coação. A atual ênfase no aborto é uma resposta às tentativas de recriminalizá-lo ou de usar o terror para eliminá-lo de uma vez.

Não obstante, o termo “feminazi” continua sendo usado na mídia como se fosse verdadeiro ou até mesmo divertido. Será que um termo igualmente cruel, e sem base histórica, tal como “nazijudeu”, receberia tratamento parecido? Duvido muito. Quanto tempo vai levar até que a equação de escolha livre do aborto com genocídio — e de feministas com nazistas — tenha sido exposta com tal freqüência na mídia que não mais justificará o terrorismo?

Fonte: STEINEM, Gloria. Memórias da transgressão: momentos da história da mulher do século XX. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. p. 15-16.