Existe uma discussão gigantesca sobre feminismo, sexualidade e pornografia. Pra resumir a história, posso me colocar entre as feministas que não tratam pornografia como algo a ser repudiado por princípio e consideram a liberdade sexual fundamental para a liberdade das pessoas.
Aproveitando as férias pra pesquisar um pouco, segui indicação da Lu sobre o Feminist Porn Awards, e acabei descobrindo a Erika Lust. Ela é uma diretora de cinema bem pouco convencional: com formação em ciência política e feminismo, produz e dirige filmes pornográficos. Os dois filmes disponíveis dela são “5 hot stories for her” (5 histórias contadas a partir do olhar feminino) e “Barcelona Sex Project” (3 atores e 3 atrizes pornôs falam sobre suas vidas e têm orgasmos de verdade).
De toda essa produção, só vi uma das histórias do “5 hot stories”, denominada “The good girl”. Fiquei impressionada. Tudo o que eu já tinha lido de críticas feministas aos filmes pornôs estava lá, com modificações pra contar a história toda pela ótica feminina, e mais algumas piadas sobre estereótipos. Aqui os homens são objetificados na figura do entregador de pizza (e não tem como não rir quando a atriz tenta fantasiar com entregadores de pizza e desanima ao se lembrar de que eles não costumam ser interessantes). Toda a iniciativa é feminina, e o enquadramento, a iluminação e o roteiro são bem diferentes do que estamos acostumados a ver. A Lu fez um post ótimo sobre o filme.
Eu não nego que homens e mulheres sejam diferentes. Existe uma série de livros e pesquisas mostrando que, desde o berço, há uma pressão cultural para que as crianças se adaptem a convenções sobre feminilidade e masculinidade. Como somos produto dessas pressões, é óbvio que a educação recebida altera a forma de perceber o mundo. Quando nós, feministas, falamos em igualdade, estamos falando de superar essas diferenças, garantindo que todos os olhares sejam respeitados e divulgados, sem serem tratados como piores, inferiores ou de nicho porque refletem a ótica de um grupo específico. Isso não acontece em filmes pornôs, produzidos em sua maioria por homens, e para homens. É difícil para as mulheres se identificarem (e ficarem excitadas) com filmes nos quais são, em sua maioria, objetificadas e caricaturizadas. Se duvida que os filmes são irreais, dê uma olhada na lista de clichês [ inglês | português] contabilizada pela Erika Lust.
Por isso, é tão importante ter mais filmes pornôs contados a partir do olhar feminino. E não se trata de romance, ou de historinha água com açúcar. São filmes de sexo. Na história que vi, sexo casual entre desconhecidos. Só que a luz, o enquadramento, o tratamento das situações e até o roteiro são diferentes. Vale muito a pena ver um filme desses, é uma ótima forma de perceber o quanto consideramos “natural” um estilo de pornografia que é, na verdade, uma onipresença forçada.
adoro sua visão do feminismo!
isso é o que eu acho que há de perigoso na pornografia, e também em toda a representação do sexo e de gêneros – inclusive em filmes e seriados em geral, não só nos pornográficos: essa “naturalização” de um ponto de vista que é sexista ou simplesmente equivocado. Como se as mulheres fossem de fato “naturalmente” passivas, como se “naturalmente” gostassem mais de romance etc e os homens naturalmente precisassem mais de sexo, etc. e tal. O horror!
realmente, esse filme da erika coloca uma crítica muito bem-humorada. É ótimo a gente se ver rindo diante do ridículo evidenciado que é essas caricaturas estereotipadas que se faz da mulher e do homem, dos seus papéis e desejos…
Ha, a lista da Erika sobre os clichês é muito engraçada, principalmente os números 13 – Asian men don’t exist, e 24 – Women always look pleasantly surprised when they open a man’s trousers and find a cock there.
Acho interessante como a pornografia masculina (redundância ter que especificar; a maior parte da pornografia pornô é feita por homens e pra homens, e acho ótimo que existam mulheres tentando quebrar este molde) se baseia nisso da mulher estar sempre sexualmente interessada. Muito antes da invenção do cinema, que representou também a invenção do cinema pornô, havia fotos eróticas e pornôs (em geral, postcards). E um tema constante era: homem observa mulher tomar banho, sem a mulher saber. Quando a mulher descobre, ela não fica brava ou assustada, mas o convida pra entrar na banheira. Parece que pouca coisa mudou…
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