Nos dias 10 e 11 de junho tivemos em BH o primeiro Bloguemus Quae Sera Tamen, a versão mineira dos encontros regionais de Blogueiros Progressistas. Embora não conste no blog oficial, fiz parte ativa da organização, criando a relação entre discursos sediciosos e blogosfera, escrevendo a convocatória e a carta final do evento, além de participar do planejamento da programação (que está desatualizada no blog do evento; a programação correta é esta aqui, divulgada no meu blog). Na abertura, na sexta-feira, falei como representante da organização do BloguemusMG.

Particularmente, gostei muito das mesas sobre cultura e sobre combate a discriminação, pois mostraram toda a diversidade da blogosfera e o quanto podemos contribuir para mostrar pontos de vista diferentes do padrão hegemônico, evidenciando questões políticas que nem sempre são vistas como reivindicações políticas.

Normalmente, quando se discute direitos humanos, coloca-se uma mulher pra falar de discriminação contra mulheres, homem negro para falar de racismo e homem homossexual para falar de homofobia. Como tivemos uma mesa de combate a discriminações composta apenas por mulheres, o olhar mudou e nos trouxe imagens bem diferentes da visão tradicional, mostrando que o recorte de gênero é importante para perceber outros pontos de vista e descortinar outros tipos de discriminação a serem combatidas. Todas essas são questões políticas que são tão invisibilizadas que muitos, inclusive na esfera político-partidária, consideram como não-políticas. Isso força as pessoas a pensarem que política é apenas o que os donos da voz (mídia, poder, etc) acreditam que seja política, fazendo calar a voz das minorias, prejudicando mudanças culturais e criação de legislação e políticas públicas adequadas.

A Adriana Delorenzo fez uma matéria muito boa resumindo o conteúdo da maioria das discussões do BloguemusMG. Portanto, não vou repetir o artigo dela, mas vou fazer algumas observações, a partir das minhas anotações do evento, sobre pontos que me parecem importantes.

Como houve um problema técnico e as palestras, embora transmitidas por streaming, não foram gravadas, este é um post longo, na tentativa de resgatar e registrar uma parte das discussões enriquecedoras que tivemos durante o BloguemusMG.

BloguemusMG
10 e 11 de junho de 2011, em Belo Horizonte

Mesa de abertura: Novas mídias e a democratização da comunicação

Infelizmente, não anotei as palavras dos demais colegas de mesa. Como representante da organização do BloguemusMG, iniciei minha fala explicando que nós o concebemos como um evento para unir blogueir@s que proferem discursos sediciosos, lutando pela liberdade, tanto em relação à liberdade de imprensa (complicadísisma em Minas Gerais), quanto em relação a direitos humanos e combate às discriminações (questões bastante delicadas, tendo em vista o conservadorismo da TFM – tradicional família mineira).

Fiz questão de falar do quanto é importante nós, participantes dos eventos, relatarmos em blogs o que estamos presenciando, para que a nossa história não seja contada apenas pela mídia tradicional, correndo o risco de ser distorcida. Twitter, facebook, e-mail e a maioria das redes sociais não têm um bom sistema de arquivos, enquanto os permalinks de blogs preservam o conteúdo. Ou seja, blogs podem ser utilizados inclusive para complementar ou desmascarar a história escrita pela grande mídia, especialmente quando se referem a pontos controversos, desmascarar mentiras ou defender direitos de minorias.

Na mesa de abertura surgiu uma questão bastante delicada: há pessoas que defendem que a blogosfera progressista se posicione sempre a favor do governo (quase um Partido Chapa Branca, em oposição ao PIG) e, se houver críticas, que sejam feitas de forma interna.

Outras pessoas, entre as quais me incluo, reconhecem e defendem a diversidade de opiniões da blogosfera de esquerda, além de lembrarem que blogs são múltiplos e horizontais: não fazemos parte de governo nem de estrutura hierarquizada que exija discussão interna. A discussão veio em parte por causa da postura do governo Dilma, que está recuando na defesa de direitos humanos. Esta divergência precisa ser destacada, pois foi a tônica do evento, sendo retomada em boa parte das as mesas.

Mesa-redonda: Cultura, esportes e ativisimo

A mesa iniciou com uma participação curtinha, por videoconferência, do ator Bemvindo Sequeira, que fez breves comentários bem-humorados sobre a blogosfera.

Marcelo Costa falou sobre a abordagem dos esportes na mídia, e de como seu blog explora uma área pouco analisada na mídia tradicional. Explicou como ele faz o blog, e de como tem explorado os recursos da blogosfera para dinamizar o conteúdo do blog e relação com os leitores.

Nina Caetano contou da sua experiência como dramaturga. Mostrou fotos e relatou suas intervenções urbanas, especialmente a classificação zoológica da mulher. Fiquei muito chocada quando ela descreveu a reação de um homem na rua que não gostou da classificação zoológica das mulheres a ponto de desrespeitá-las, rasgar uma das placas da encenação e tentar agredir as participantes. Nina ainda criticou o atual prefeito de Belo Horizonte, que procura coibir manifestações culturais em espaço público. [Pra quem não conhece a história do prefeito Márcio Lacerda (PSB, apoiado por tucanos e petistas) cerceando liberdade em praças públicas, dêem uma olhada na Praia da Estação]

Na rodada de perguntas, pedi para que Nina tornasse pública uma conversa nossa, quando ela analisou a reação de repúdio a um cartaz sobre a Marcha das Vadias com a foto de Geisi Arruda. Ela observou que as pessoas internalizaram tanto a separação santa-puta que não estão entendendo que a marcha é exatamente para garantir o direito de todas as mulheres de reivindicarem seu próprio corpo e agirem como quiserem, inclusive sendo ou aparentando ser vagabundas.

Mesa-redonda: Ativismo e combate às discriminações

Luana Dias falou de racismo, tanto em um viés acadêmico, quanto em relação à sua experiência pessoal, quando trabalhou como empregada doméstica e babá. Criticou fortemente a visão das mulheres na mídia, pois cai no estereótipo branca é pra casar, negra é pra trabalhar, mulata é pra fornicar. Chorou e nos fez chorar com a Carta aberta ao Grupo Antiterrorismo de babás, que é de leitura e reflexão obrigatória, especialmente nestes dias em que a mídia saudosa do período escravocrata lamenta a dificuldade da classe média em ter empregadas domésticas.

Erika Pretes contou sobre suas pesquisas acerca da história da homossexualidade no brasil, mostrando que os discursos homofóbicos atuais estão bastante calcados em ideias antigas, como a de doença e opção sexual. Falou das crescentes estatísticas de violência contra homossexuais, e nos emocionou ao contar quando meninos com uniforme escolar apedrejaram seu carro, quase atingindo sua namorada, exatamente no dia em que o governo federal suspendeu o kit anti-homofobia nas escolas. Questionou o apoio incondicional de alguns blogs ao governo, afirmando que estão agindo de forma preconceituosa, procurando calar minorias.

Fui uma presidenta de mesa atípica, e falei sobre violência e combate a discriminação em relação a mulheres. Comentei sobre rejeição e culpa que forçam mulheres a viverem para se adequar aos desejos dos outros, repudiando a homossexualidade, cerceando seus gostos e desejos (vide o namorado que quer mandar na roupa da namorada), gerando muita violência. Falei de feminicídio, especialmente em relação ao caso Eliza Samúdio, que tem sido chamado erroneamente de caso Bruno.

Expliquei que temos de reforçar o discurso de combate à discriminação porque grupos conservadores estão interferindo fortemente em todos os espaços políticos. Frase típicas de grupos conservadores (opções sexuais, propaganda de opções sexuais) estão sendo repetidas pelo Planalto, mostrando que o governo está encampando e repetindo o discurso religioso conservador, em uma clara negativa de apoiar questões de esquerda. Ainda em relação a religião, destaquei a necessidade de o Estado respeitar todas as religiões, e não só o monoteísmo ou o pensamento cristão conservador.

Antes de passar a palavra ao público para a rodada de perguntas, falei um pouco sobre mitos da blogosfera, inclusive sobre a necessidade de postagens diárias e a dificuldade de produzir conteúdo quando se tem blog de forma voluntária. As pessoas cobram posts novos, mas se esquecem que produzir conteúdo demanda tempo, estudo, reflexão, e a redação precisa ser cuidadosa; o post não fica pronto de uma hora pra outra. Enfatizei que blogs são fundamentais no combate à discriminação, e para isso precisam de conteúdo, que não precisar ser obrigatoriamente diário.

Esta foi a mesa com maior participação do público, com muitas perguntas e comentários interessantes; infelizmente, não anotei todos. Tivemos depoimentos emocionantes de Caribé e Beto Mafra. Pedro perguntou sobre se cotas não geram novos preconceitos. Luana e eu dissemos que não necessariamente, já que o preconceito muda e se adapta às circunstâncias. Thiago Coacci falou do preconceito contra pessoas feias, citando um estudo que as define como: mulher, negra, gorda, masculinizada; lembrei que nas novelas o cabelo da mocinha é alisado e clareado quando ela arruma namorado-marido e se torna rica – e aproveitei para criticar a pressão para que mulheres só se foquem e se realizem em aparência e no casamento. Luís, falando sobre preconceitos, comentou como as pessoas criticam nordestinos, mas não se definem como sudestinos; e, ao mencionar o caso Mayara Petruso, observou que a internet nos obriga a cuidar melhor das palavras para não sermos mal interpretados. Cleber lembrou que mulheres são cada vez mais tratadas como mercadoria; expliquei que isso é efeito do backlash: quanto mais a mulher é tratada como mercadoria na mídia, mais direitos vem conquistando fora dela. Cido falou de gays como mercadoria na parada gay; Érika explicou que essa comercialização é típica do capitalismo, não tem muito como ser evitada, e o que importa é não deixar esvaziar o discurso político.

Mesa-redonda: Liberdade e ativismo

A mesa de liberdade e ativismo, no sábado de manhã, retomou a discussão de abertura sobre se a blogosfera progressista deve se posicionar sempre a favor do governo, ou (o que é meu posicionamento) ter liberdade de criticar o governo em relação a políticas específicas de esquerda.

A fala da Renata Lima, em especial, marcou o posicionamento a favor da discussão sobre direitos humanos, relacionando-os ao seu posicionamento como delegada no cotidiano de trabalho. E o post da Renata sobre o BloguemusMG resume bem o clima das discussões, não só desta mesa, mas do evento todo.

Túlio Vianna deixou claro que esquerda não deve só pensar em diminuir a pobreza, mas também em melhorar a situação de grupos discriminados. Lembrou que homossexuais sofrem violência não por serem pobres, mas por serem homossexuais,e que a esquerda deve encampar essa discussão para diminuir a discriminação. Criticou fortemente o apoio da esquerda a argumentos religiosos e a emissora Record: é preocupante ter alguém conservador DENTRO da esquerda pautando a esquerda.

Eduardo Guimarães focou na necessidade de democratizar a comunicação e na luta necessária contra Hitler. Sua fala pode ser resumida neste post que fez sobre o assunto. Meu comentário é de que precisamos lembrar que Hitler perseguiu minorias, inclusive marcando-as com triângulos coloridos (vermelho para comunistas, anarquistas e outros dissidentes políticos; preto para lésbicas, prostitutas, feministas e mulheres anti-sociais; cor-de-rosa para homens homossexuais; estrela amarela para judeus, e por aí segue) e levando-as a campos de concentração. Portanto, se temos de ficar contra Hitler, é importante também combater a discriminação contra minorias.

João Carlos Caribé falou sobre AI-5 digital, descrevendo os inimigos da internet e destruindo alguns mitos, como o de que pedofilia só existe – ou só é grave – na internet. Deixou bem claro que o controle da internet não funciona, pois as pessoas capricham na forma de burlar o controle e não deixar pistas. Falou ainda das diferenças geracionais a respeito de privacidade e de relações sociais: a percepção de privacidade é bem diferente, e as relações são horizontais, questionando hierarquias.

Mesa-redonda: Liberdade de imprensa em Minas Gerais

O deputado estadual Rogério Correia (PT) expôs a atuação do bloco Minas sem censura e contou, longamente, sobre a influência da família de Aécio Neves na mídia mineira, a ponto de uma greve de 47 dias só ter sido divulgada quando acabou. Como diria uma antiga autoridade do governo tucano, o governo tem “excelentes relações” com a diretoria dos meios de comunicação mineiros. Falou ainda que as relações familiares de Aécio podem ter sido usadas para ocultar patrimônio. Deixou claro que Aécio quer ser alternativa para a oposição, e que os movimentos sociais devem agir para que o tucanato mineiro não seja alternativa nem aos tucanos de SP nem ao PT.

O deputado estadual Carlin Moura (PCdoB) iniciou retomando a história da imprensa brasileira, acentuando que o 5º poder deve ser usado para impedir a proliferação de ideias conservadoras. em relação a poder econômico e publicidade de órgãos estatais, comentou que a publicidade aecista tem diminuído investimentos em publicidade em Minas Gerais para investir na mídia de outros estados (preparando terreno para 2014), e isso tem aberto espaço para críticas a ele na imprensa mineira, já que está gerando perda de receita publicitária.

Renato Rovai comentou sobre as diferenças entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa e falou detalhadamente sobre os problemas em relação a publicidade governamental. Sugeriu abrir as contas da área de comunicação dos governos de MG e SP, e não só do governo federal. Criticou a falta de critérios republicanos para publicidade em veículos de comunicação, gerando distorções em relações a grupos de nicho, a veículos gratuitos e inclusive em relação a público-alvo, já que a publicidade governamental de direitos humanos em revistas conservadoras terá impacto bem menor do que em veículos com perfil de esquerda.