Segundo o Uai, resolução interna da Polícia Civil mineira proíbe que mulheres separadas judicialmente sejam atendidas nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam). Assim, uma mulher que recebe ameaças do ex-marido não consegue ter atendimento especializado.

O resto da reportagem é preocupante. Critica a Lei Maria da Penha por ter dobrado o trabalho dos policiais, e mostra que a tal resolução interna é discriminatória , já que optaram por não atender as mulheres separadas para que possam ter tempo para atender as demais. Só não falaram com todas as letras que esse tipo de resolução reforça o casamento e dificulta a separação, pois as mulheres pensarão mil vezes antes de se separar judicialmente e agüentar ameaças do ex-marido se souberem que não receberão proteção adequada após o divórcio.

Pra piorar, a reportagem coloca no mesmo balaio a morte da Aline Soares em Ouro Preto, em 2001. Além desse assunto não ter nada a ver com violência doméstica, ainda comete o mesmo erro da maioria das reportagens sobre o caso: insinuar que o homicídio foi causado pelo RPG. Pelo menos tem uma grande verdade na observação da promotora do caso: a sociedade é machista. Não me agrada deturparem um sistema de jogos tão interessante quanto o RPG, mas também não me agrada ver que a vítima – mulher – corre o risco de ser morta novamente, através do julgamento de sua conduta social.


Como o Uai apaga as notícias depois de algum tempo, segue a íntegra da reportagem.

Delegacia especializada não atende mulheres separadas
Terça-feira, 06 de março de 2007
07:25

(Izabela Ferreira Alves/Estado de Minas)

A três dias do Dia Internacional da Mulher, comemorado na quinta-feira, I.S., de 28 anos, procurou a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). Depois de vários espancamentos e ameaças de morte, a jovem tomou coragem e decidiu denunciar o ex-marido, mas não conseguiu. Obedecendo a uma resolução interna da corporação, a divisão da Polícia Civil não atende casos de mulheres separadas judicialmente. E quando o agressor cumpre as promessas de assassinato, conforme denunciado segunda-feira pelo Estado de Minas, 40% dos inquéritos demoram mais de um ano para ser concluídos pela Divisão de Crimes Contra a Vida (DCCV) de Belo Horizonte.

Os dois exemplos demonstram como a rede de proteção à mulher na capital ainda é frágil. A quinta maior cidade do país tem apenas duas delegadas lotadas na Deam. Com a sanção da Lei Maria da Penha, em vigor desde setembro de 2006, a lacuna entre a coerção e a punição dos crimes tende a se aprofundar ainda mais. Isso porque, entre as inovações propostas pela legislação federal, uma das principais mudanças aumenta as incumbências da autoridade policial. Desde o ano passado, o policial da delegacia não pode mais lavrar a ocorrência e encaminhá-la ao juizado especial criminal para fixação da pena, que, antes, normalmente consistia no pagamento de cesta básica ou multa.

Agora inquérito policial precisa ser instaurado para todas as denúncias, e as delegacias têm até 48 horas para requer ao juiz, em caráter de urgência, medidas protetivas à mulher em situação de violência. Da mesma forma, o juizado tem também prazo de dois dias para conceder os benefícios, que vão desde a suspensão do porte de armas do agressor até seu afastamento do lar e distanciamento da vítima. “A diminuição dos homicídios contra mulheres só vai ocorrer quando conseguirmos combater a violência em seu nascedouro. O procedimento anterior era muito simplificado, mas, com a nova lei, o trabalho dobrou”, afirma a delegada titular da Deam, Silvana Rocha Rezende.

Segundo ela, o volume de serviço impede o atendimento de mulheres agredidas por ex-companheiros. “Por causa da demanda, que aumentou muito, e em cumprimento a uma resolução interna, só atendemos mulheres casadas, viúvas ou as que vivem em união estável”, diz. Desde a publicação da Lei Maria da Penha, mais de 100 homens foram presos em flagrante, fora os que pagaram fiança, e mais de 1 mil solicitações de medidas de proteção foram encaminhadas à Justiça. A Deam recebe 600 denúncias e pedidos de providências por mês. “Cerca de 30% dos casos ocorrem em Venda Nova e 20% no Barreiro”, acrescenta a delegada. Nessas regiões, não há delegacia de apoio à mulher.

Defensora pública do Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem), Alessandra Eller afirma que a nova lei não prevê tratamento diferente de acordo com o estado civil da vítima. “A lei cria mecanismos de coerção da violência doméstica familiar contra a mulher, mas não inclui essa distinção. O problema do não-atendimento é uma questão estrutural e vai de encontro à aplicação efetiva da legislação”, lamenta.

Promotoria

Para fazer frente aos problemas, tanto na demora da conclusão dos inquéritos quanto da fragilidade da rede de apoio, o Ministério Público Estadual inaugura, quarta-feira, a Promotoria de Defesa da Mulher, coordenada pela promotora Alais Silveira. Criada no início do ano, a promotoria já instaurou mais de 4 mil procedimentos. “A demanda é enorme e a promotoria está sendo aparelhada da melhor forma possível. Podemos fazer um trabalho de apuração paralelo à polícia e controlar a atividade policial. Mas, mais importante, é que essa promotoria vai ser mais uma referência para as mulheres”, afirma o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior.

Promotora no caso do assassinato da estudante Aline Silveira Soares – morta aos 18 anos em Ouro Preto, em 2001, com requintes de crueldade supostamente relacionados a uma partida de RPG –, Luiza Helena Trócilo Fonseca lamenta a demora na conclusão dos trabalhos da polícia. “O inquérito tramitou por quase três anos, um absurdo”, critica. Na Justiça, os acusados também lançaram mão de todos os instrumentos jurídicos previstos para adiar o julgamento. “É lamentável, mas, pelo desenrolar do processo, vemos como a sociedade brasileira ainda é machista. A defesa se preocupou em levantar questionamentos acerca da moral de Aline, completamente descabidos, para enrolar o encaminhamento do caso ao júri”, lembra. A expectativa da promotora é de que o julgamento ocorra nos próximos meses.