Já houve época em que o Brasil obrigava as pessoas a terem religião. Diversas situações cotidianas passavam pelo catolicismo, especialmente os registros que hoje são responsabilidade de cartórios civis: as paróquias realizavam os registros de nascimento, de casamento e o de óbito. Em muitas cidades era necessário pertencer a alguma das congregações religiosas para que a pessoa pudesse ser enterrada no cemitério da congregação, já que nem sempre havia cemitérios públicos.

A separação entre Igreja e Estado no Brasil ocorreu oficialmente com a República, por meio da Constituição de 1891. No entanto, a implementação do Estado Laico brasileiro ainda não está consolidada. E, a julgar pelo discurso religioso cada vez mais presente no espaço público, corremos o risco de perder a pouca laicidade conquistada.

Não precisamos mais depender de igrejas católicas para o registro da vida civil. Apesar disso, nossa legislação prevê o “Casamento Religioso com Efeito Civil“, dispensando a cerimônia em cartório civil. Em um Estado realmente laico haveria a separação total entre casamento civil e casamento religioso. E se ainda há hoje discussão sobre casamento civil de homossexuais, é porque as atenções se voltam apenas para o casamento religioso, ignorando a laicidade do casamento civil.

Apenas o discurso religioso explica a proibição do divórcio e a vedação de uma série de direitos a pessoas homossexuais. No entanto, o divórcio só foi legalizado no Brasil em 1977, e ainda hoje não se reconhece o casamento de homossexuais. Foi necessário o Supremo Tribunal Federal se manifestar para equiparar união estável para casais heterossexuais e homossexuais, mas ainda não há perspectiva de legislação que contemple casais homossexuais, pois uma bancada religiosa no Congresso Nacional atua para impedir a aprovação de leis que violem seus princípios religiosos. Com isso, acabam violando a laicidade do Estado ao impor seus valores religiosos inclusive a quem não professa sua religião.

Igrejas ainda ocupam o lugar do Estado em diversas comunidades, interferindo nas políticas públicas. Muitas vezes os postos de saúde funcionam dentro de igrejas, interferindo em uma série de procedimentos médicos, desde dificultar o acesso a contraceptivos até procurar regular a sexualidade de adolescentes e homossexuais. Frequentemente grupos religiosos criam leis ou entram na Justiça para proibir a distribuição de contraceptivos em postos de saúde, ou mesmo a sua venda em farmácias.

O discurso religioso transparece nos meios de comunicação o tempo todo. Emissoras de rádio e canais de televisão são concedidos a alguns grupos religiosos, que violam a laicidade ao utilizá-los para propagandear sua crença inclusive a quem não tem interesse em professá-la. Programas pseudo-jornalísticos associam erroneamente crimes à falta de religião; para piorar, consideram como religião apenas a monoteísta cristã. Outras denominações religiosas são ignoradas ou perseguidas pelo discurso religioso.

Em assuntos jurídicos considerados “polêmicos” (como o direito ao aborto em caso de estupro ou risco de morte da gestante) jornalistas destacam fervorosamente a opinião de um ou outro grupo religioso conservador, desprezando a lei, que permite o aborto em tais situações. A cobertura midiática erra duas vezes: uma, ao destacar e atuar como porta-voz de apenas uma das religiões como parâmetro para a matéria; outra, ao se esquecer que deve respeitar a laicidade, não impondo nem sobrevalorizando um discurso religioso quando já existe discurso jurídico consolidado.

E antes que venham com os lugares comuns de que Estado laico não é Estado ateu, que a Marcha do Estado Laico quer acabar com a liberdade religiosa, ou outra besteira do tipo, esclareço: só vai haver liberdade religiosa se houver Estado laico, se houver separação de fato entre espaço público (Estado) e espaço privado (religião). Por religião, entendam todos os tipos, sejam monoteístas ou politeístas, e até mesmo o direito de crer, não crer ou sequer se importar com religião, sem ser punido por isso.

Ignorar essa separação e conceder poderes políticos a uma ou poucas religiões implica em calar a voz das demais religiões (e mesmo de determinados grupos, afinal o cristianismo não é homogêneo), e também de quem não tem ou não quer ter religião. E aí, corremos o risco de retornar às guerras religiosas dos séculos XVI-XVIII, ou nos submetermos a soluções mais próximas de uma aberração, como vincular a religião a uma região territorial (princípio Cuius regio, eius religio) ou a Paz de Augsburgo, que forçava os súditos a terem a mesma religião do governante, e que geraram muito derramamento de sangue.

Certamente, ninguém quer chegar a esse ponto novamente. Muito menos quer ser obrigado a prestar contas a um Estado que tem religião oficial e que, por causa disso, persegue as demais religiões. Portanto, para que possamos ter liberdade plena de religião, lutemos pelo Estado laico.

Marcha pelo Estado Laico em Belo Horizonte


Data:
17 de setembro de 2011

Horário: 14:00

Ponto de concentração: praça Afonso Arinos (entroncamento de Augusto de Lima, Álvares Cabral e João Pinheiro)

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