Milhões de coisas pendentes, mas tenho de falar: já faz 4 dias que um idiota está mantendo a ex-namorada refém em Santo André porque ela não quis reatar o namoro. E já começaram os comentários dizendo que isso é prova de amor, que ele é um rapaz sério e dócil, que é trabalhador e que não está cometendo crime.

Ele está cometendo crimes, sim, e tem de ser punido. E ele pode ser trabalhador, afetuoso, e o escambau, mas isso não exclui o fato de que ele é um machista, possessivo e que acha que é dono da namorada, chegando ao ponto de cometer agressões e cárcere privado para mostrar que é ele quem manda na “sua” propriedade.

Alguns imbecis vão achar isso romântico, mas é repulsivo. Mulher não é propriedade de ninguém, e relacionamentos afetivos não podem ser impostos à força. Falar de amor num contexto de violência é piada de mau gosto.

E podem reparar: as notícias costumam adotar o ponto de vista do homem. O que foi dito da moça, que está há 4 dias em poder de um maluco? Já foi insinuado que ela é tão ciumenta quanto o namorado, como se isso explicasse ou justificasse alguma violência. Quais os efeitos psicológicos dessa situação sobre ela? Até agora só vi comentários sobre ele, e nenhum insinuando que ele precisa se tratar. Se fosse uma mulher que estivesse mantendo um homem como refém, já teria sido qualificada de ciumenta e descontrolada que precisa de tratamento especializado ou, no mínimo, frequentar reuniões do MADA. Mas como é um homem, as notícias não julgam os atos dele: ou descrevem a situação que ele criou, ou procuram justificativas, inclusive psicológicas, para a violência, como se houvesse alguma explicação que validasse um comportamento violento porque o homem não aceita o fim do relacionamento.

Vale a pena repetir o velho slogan feminista: quem ama não mata. E nem comete violência contra a pessoa amada. Não podemos compactuar com esses casos de violência contra mulheres chamando de amor o que é um resquício de uma relação de propriedade, com o macho exigindo obediência. Afinal, os tempos hoje são outros, e mulheres têm autonomia para decidir se querem ou não manter o relacionamento. O que todo o mundo tem de fazer é respeitar a vontade da mulher. Será que é tão difícil entender isso?

Atualização em 17/10, 18h30: um acordo de promotor, advogado e polícia garantiu a integridade física do sequestrador. A sequestrada está morta, e a amiga dela, ferida. O sequestrador conseguiu o que queria: se a ex-namorada não podia ser dele, agora ela não vai ser “propriedade” de mais ninguém. Não importa quem disparou o tiro, quem perdeu foi ela.

Atualização em 18/10, 9h:O governo de São Paulo informou ontem que a sequestrada não morreu: ela foi reanimada, passou por cirurgias e está em estado gravíssimo, com perda de massa encefálica.

Esse episódio é lamentável. O recado que fica para todas as mulheres é: “se seu namorado quer reatar o namoro, é melhor reatar. A última mulher que se recusou a fazer isso ficou refém por 100 horas, foi agredida durante todo esse tempo sem que os policiais no apartamento ao lado impedissem as agressões, e saiu do cativeiro baleada na cabeça, em estado gravíssimo, enquanto o ex-namorado está ileso”. Depois tem gente que acha exagero quando as feministas reclamam da impunidade da violência contra mulheres.

Atualização em 19/10:Eloá está morta.