A atriz e escritora Maria Mariana, afastada do trabalho remunerado por conta da maternidade (até aqui tudo bem, é escolha dela, e ela está feliz com isso), resolveu lançar um livro. Para divulgá-lo, afirmou em entrevistas (Folha, Época) absurdos como “quem opta por ficar sozinho não desenvolve aprendizados que o casamento dá” (vale pra tudo! Quem opta por faculdade de Direito não desenvolve aprendizados que Comunicação Social dá, e vice-versa), “amamentar não é um detalhe, é para a mãe que merece” (será que o livro vem com a escala de merecimento? Quem definiu essa escala, com base no quê?), “se a mulher parir naturalmente, será uma mãe melhor” (o que tem a ver a técnica do parto com a hipotética escala do que seria a boa maternidade?), Deus preparou o homem para estar com o leme na mão” (Quando ele morrer ou quiser se separar, o que você faz? Morre junto? Pede pra proibir o divórcio?)

O mais grave, pra mim, foi ler que “Há mulheres que passam nove meses no shopping, comprando roupinhas, aí depois marcam a cesárea e pronto. Acabou o processo. Aí sabe o que acontece? Elas têm depressão pós-parto“. Maria Mariana tenta se defender em seu blog, mas acabou se contradizendo: diz que não falou em depressão pós-parto no livro, depois pede para comprarem o livro porque escreveu lá sobre a questão da mulher que não se esforça ter parto natural estar mais sujeita a depressão. Gostaria muito de saber quais são as estatísticas que embasam essa, err, teoria. E, se são especulação, seria de bom tom jamais proferi-las. Afinal, tudo o que uma pessoa doente não precisa é ter alguém a atormentando e dizendo que ela está doente porque quis assim.

E é claro que temos de ter um equívoco sobre feminismo: “A partir do movimento feminista, sofremos uma pressão para ser ativa no mercado de trabalho, ter valores masculinos“.
Ser ativa no mercado de trabalho SEMPRE foi a regra pra mulheres pobres, que sofreram e ainda sofrem com essa idéia ridícula de que mulher tem a obrigação de ficar em casa (os tais “valores femininos”), mesmo quando precisam de dinheiro para sustentar – muitas vezes, sozinhas – a família (os fatídicos valores masculinos). Por causa dessa lógica de divisão TEÓRICA de papéis, os horários de trabalho não são flexíveis, e não há creches ou redes de apoio para cuidar das crianças enquanto as pessoas da família estão ganhando o dinheiro necessário para a subsistência. O movimento feminista veio pra mostrar essas desigualdades, exigir melhores salários, melhores condições de trabalho e estrutura para cuidar das crianças que, sim, são importantes para a sociedade e precisam de bons cuidados. Se temos uma crise econômica que obriga a todas as pessoas a trabalharem, indiferentemente do sexo ou de classe social, não adianta culpar as feministas. O problema é econômico – e com certeza a miséria vai se agravar se piorarmos as condições de trabalho das mulheres (forçando-as a trabalhos informais, por exemplo), ou pararmos de investir em creches e redes de apoio. Querer que as mulheres fiquem em casa cuidando das crianças, obrigatoriamente, significa desestimular esses investimentos e aumentar a sobrecarga da mãe (além de correr os riscos da mística feminina). Será que é tão difícil perceber que ninguém ganha com isso?

Outra coisa que não gostei foi a exposição das crianças. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais

Repararam que a divulgação toda do livro é com a exposição das crianças? O blog do livro tem fotos e descrição da personalidade dos filhos de Maria Mariana. As entrevistas têm foto deles. A capa do livro é uma foto dela com eles. As crianças estão ali para ilustrar o quê, já que o livro é sobre maternidade, e não sobre as crianças? No quê essa exposição acrescenta à vida delas? Por que a mãe está explorando a imagem dos filhos, ao invés de preservar a imagem deles? Para efeitos de comparação, notem que nem os livros nem o blog Mothern usam desse recurso, preservando as crianças das autoras.

E vou parando por aqui, pra não fazer um tratado. A seguir, uma lista de várias mulheres e homens fazendo críticas e observações ótimas sobre as entrevistas de Maria Mariana. Recomendo veementemente a leitura. E aproveito para fazer uma pergunta: quantos homens escreveram sobre o assunto? Gostaria muito de saber até que ponto eles concordam/discordam do que a Maria Mariana falou.