“Corpo, envelhecimento e felicidade” é uma coletânea de artigos organizada pela antropóloga e professora do IFCS-UFRJ Mirian Goldenberg. Reconhecida por suas pesquisas e publicações sobre gênero, desvio, corpo, sexualidade e novas conjugalidades, especificamente em relação à classe média alta carioca, em “Corpo, envelhecimento e felicidade” Mirian Goldenberg inova em sua abordagem ao procurar entender o significado do processo de envelhecimento e os modelos de velhice que estamos construindo.

A pesquisa de Mirian Goldenberg foi iniciada em 2007, resultando em diversas atividades acadêmicas (inclusive uma disciplina de pós-graduação em 2008), focada em gênero e envelhecimento. Artigos sobre o tema foram produzidos para o Seminário Internacional “Corpo, envelhecimento e felicidade” (realizado em setembro de 2010), e em seguida foram reunidos no livro de mesmo nome, publicado pela Civilização Brasileira/Record. A relevância da pesquisa e do livro se encontra na descrição do seminário:

O crescimento da população idosa, no Brasil e no mundo, coloca o envelhecimento como um dos temas centrais do nosso tempo. No Brasil, são 22 milhões de pessoas, 11,1% da população, sendo que o Rio de Janeiro é o estado que concentra a maior proporção de idosos do país, 14,9%. Tendo em vista a relevância deste processo e suas implicações para a população como um todo, a pesquisa “Corpo, Envelhecimento e Felicidade”, coordenada pela antropóloga Mirian Goldenberg, traz para este seminário as múltiplas dimensões deste debate, buscando analisar os aspectos sociais e culturais do fenômeno do envelhecimento. Nossa proposta é a de dar visibilidade à produção acadêmica multidisciplinar sobre o tema e um convite a uma ampla reflexão sobre os aspectos relacionados a este processo, como as diferenças de gênero, as relações entre gerações, as mudanças no comportamento, as demandas do cotidiano e os estilos de vida dos brasileiros que envelhecem.

A felicidade não se apresenta de forma direta nos artigos, mas como resultado indireto das transformações. Como observa Mirian Goldenberg na apresentação do livro, o envelhecimento traz alterações de capital: tanto perdas (em relação ao corpo e sexualidade) quanto ganhos como liberação das pressões, gerando descoberta dos próprios desejos e trazendo felicidade.

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Os artigos incluídos no livro são interessantíssimos. Há um eixo específico sobre envelhecimento, abordando a questão do envelhecimento do corpo, as tecnologias de rejuvenescimento, o consumo da beleza, a forma como mulheres de 50 pensam em envelhecer de forma jovem ou ageless (sem ser possível identificar a idade). Outro eixo analisa questões ligadas a sexualidade: marketing sobre disfunção erétil, a sexualidade feminina na vida adulta e na velhice, as variações de discurso sobre prostituição em relação à idade das prostitutas. Outros temas abordados são cor e corpos jovens e velhos, o vagão feminino do metrô do Rio de Janeiro e um estudo sobre corpo e envelhecimento no carnaval carioca, focado nas baianas. Há também artigos sobre o uso da velhice como desculpa, a institucionalização da velhice e condições de asilamento, e novos desafios para o Brasil em relação ao envelhecimento. O livro finaliza com um artigo sobre imagens e significados da morte no ocidente.

Obviamente, não tenho como comentar cada um dos artigos. Porém, preciso pontuar que me incomodou bastante o tom do artigo “A cor e os corpos jovens e velhos” de Yvonne Maggie, pois parece mais preocupado em falar sobre as moças jovens “que querem ser versáteis” e “não querem ser definidas por sua cor” e sobre a importância de pretos-velhos e pretas-velhas (sábios e importantes, mas esteticamente opostos aos corpos jovens), do que analisar processos de envelhecimento e a questão racial. Ela considera que as moças são uma versão moderna de Macunaíma, “o herói sem nenhum caráter no sentido de um caráter por vir a ser, de um povo que ainda não amadureceu de forma completa e cristalizada (p.242)”. Levando-se em consideração que Maggie estava falando em ignorar a cor das pessoas e focar em seu caráter, desprezando a luta do coletivo e procurando valorizar indivíduos, o que temos é um contrasenso (pois se recusar a ver o coletivo, mas trata as mulheres negras – e não moças – como coletivo) e um insulto: esse tratamento é de infantilização, reproduzindo estereótipos racistas.

Outro ponto frágil do livro é a pouca atenção à homossexualidade. Alguns artigos perpassam o tema, mas seria muito mais interessante se houvesse aprofundamento nas relações entre homossexualidade (tanto masculina quanto feminina) e envelhecimento.

Aliás, seria muito mais interessante se houvesse maior diversidade nesses estudos, adotando recortes que analisassem a percepção do envelhecimento em outros níveis: envelhecimento masculino que não esteja ligado à disfunção erétil, e também interrelações entre orientação sexual, classe (a começar por a percepção de corpo “bonito” variar de acordo com a classe social), raça e etnia. Mas essa ausência de diversidade é uma questão que atinge toda a academia, e é injusto considerar esse um defeito do livro, quando na verdade se trata de um problema acadêmico.

Em suma, o livro é interessante, rende boas reflexões e vale a pena ser lido, até como ponto de partida para quem tem interesse em estudar o envelhecimento. A linguagem dos artigos varia de acordo com o estilo de cada autora ou autor, mas em geral é um livro de leitura tranquila: ao mesmo tempo em que segue os rigores acadêmicos, é bastante acessível inclusive a quem não é da área acadêmica.

GOLDENBERG, M. (org). Corpo, envelhecimento e felicidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, 387p.

Publicado no Blogueiras Feministas em 06 de janeiro de 2012