No blog da Marjorie (que vocês têm de ler!), a Carol deixou nos comentários um link para este post da Ilana Rehavia no blog da BBC. Em resumo, ela fala que tem visto cada vez mais matérias apontado rivalidades entre mulheres.
Detesto esse maniqueísmo. Parece que as pessoas estão cada vez mais com dificuldades de perceber nuances, e optam por viver em extremos. Assume-se que só existem duas alternativas excludentes, e adota-se um “ou concorda comigo, ou está contra mim”. É o pior raciocínio do mundo, pois limita possibilidades, como se tudo se resumisse a uma questão de Certo ou Errado. E aí, eu pergunto: certo ou errado pra quem? Sob quais circunstâncias? Quem lançou essas únicas opções, e por quê? Opções limitadas, rasas ou ridículas não permitem a abertura de pensamento, nem encorajam mudanças.
Falar de rivalidade entre mulheres como se fosse fato consumado significa esconder essas questões que fizeram com que uma impressão – que pode muito bem ser falsa, e que não foi devidamente pesquisada ou comprovada – se transforme em uma afirmação absoluta e inquestionável. Chegar à liberdade de informação de hoje pra cair nessa enganação primária é um insulto à inteligência de todos nós. Mas Susan Faludi já demonstrou que essa é a regra não escrita, e que sempre aparece para infernizar a vida das mulheres (lembram da mentira: seria mais fácil uma mulher de 40 anos ser vítima de atentado terrorista do que se casar?)
Outra questão é a idéia de que mulheres são competitivas demais, como se ter ambição fosse defeito. A maior parte das pessoas é competitiva; se não for por temperamento, é por necessidade de progressão na carreira e aumento de salário. Afinal, todo mundo tem de pagar contas no fim do mês. O fato é que mulheres ainda têm menos oportunidades, e sofrem mais preconceito no trabalho. Vocês acham que os pobres homens cordeiros mansinhos estão arrasados aceitando calmamente as mulheres no mercado de trabalho? Estão é interessados em culpar as mulheres pela crise, pelas mudanças, pela diminuição de salário, etc, pois a lógica é de que, demonizando as concorrentes mulheres, o lugar deles está garantido: elas que briguem entre si, enquanto eles assistem de camarote.
E aí vem a história das mulheres cruéis destruindo as outras mulheres, como se crueldade fosse uma característica intrinsecamente feminina. Ou pior, como se crueldade fosse uma característica de uma mulher “desnaturada” (afinal, os estereótipos dizem que mulheres são dóceis e generosas, né?) Em ambos os casos, todos saímos perdendo. Primeiro, por enfatizar um estereótipo que nada tem de concreto (quem é doce e generoso 100% do tempo? Nem minha gata Sofia é tão abnegada…) Segundo, por esconder as atrocidades que os homens criam e cometem, como se eles tivessem o direito de matar, torturar e humilhar em nome de um espírito de competição. Seres humanos podem agir de forma podre e nojenta, mas dividi-los por sexo, como se um agisse de forma melhor ou pior que o outro, só serve pra fugir da discussão sobre responsabilidade pelas atrocidades cometidas.
Eu não vejo nada que me diga que as mulheres estão em guerra. Exceto por uma chefe que tive, não conheço mulheres tão fúteis, competitivas, brigonas, inimigas, cruéis, etc. Muito pelo contrário, sempre que preciso de alguma coisa, é uma mulher que vem em meu socorro. E isso não é só comigo: é a vizinha que cuida das crianças para que a mãe vá trabalhar, é a irmã que acompanha ao hospital, é a colega que passa as anotações na véspera de prova quando você não pôde estudar, é a amiga que empresta roupas e livros e sempre tem a dica perfeita para a situação, é a melhor amiga que encobre o namoro proibido, é a mãe que ajuda a administrar a casa… o que falta, na verdade, é mostrar o quanto mulheres podem ser unidas e solidárias (né, luluzinhas?), e o quanto a mídia vem se pautando em ganhar dinheiro estimulando rivalidades que não existem, ou que nem deveriam existir.
O que mais me chama atenção não é apenas o fato da “mídia” passar essa ideia, mas também de uma mulher ter sido autora de um artigo como esse. O maior obstáculo, a meu ver, da luta pela igualdade de gênero (não somente em ralação aos direitos, mas também à quebra de estereótipos) está nas próprias mulheres que perpetuam essas ideias prontas. Quando eu li isso, mesmo que não tenha sido diretamente mencionada, eu pensei foi na competição que muitos dizem existir quando o assunto é “namorado”. Sempre ouço dizerem que homem é mais “brother”, que não fica com a mulher do outro (“não mecha nas minhas coisas que não mecho nas suas”, total objetificação), enquantro a mulher não respeita isso, ela é a “vaca”, a “piranha”, “cobra”, a víbora, que convence Adão a provar do fruto proibido, dentre outros animalismos.
Uma pena ainda existirem pensamentos assim. Acho que a informação é a mais importante nesse processo, coisa que os veículos de massa deveriam pensar melhor. E todas(os) nós também. 🙂
Cynthia, perfeito viu! Eu também não tenho essa experiência com as mulheres não, viu? Tem uma ou outra assim, mas tem um ou outro homem assim também…
Queria muito que se percebesse que isso no fundo é um mito. Prejudicial às mulheres, como tantos outros.
Beijos
Opa, valeu pela menção, Cynthia!
Li esse trecho e lembrei de uma coisa: “ela é a “vaca”, a “piranha”, “cobra”‘.
Ontem tive uma aula na qual o professor falou que os xingamentos direcionados às minorias tentam “animalizá-los”. Dar a entender que são menos humanos mesmo.
Aí ele citou os principais xingamentos direcionados às mulheres. Cadela, piranha, vaca, cobra… Tudo bicho. Os negros são macacos. Os gays são veados. Aí eu pensei: “cara, faz mesmo todo o sentido”.
bjs!
adorei seu blog, linkei no meu e já está na lista do google reader para leitura sempre.
=)
um abraço,
lai
Tenho uns probleminhas, problemas e problemões com uma colega de trabalho (é, nossa relação é cheia de nuances), que leva muita coisa pro lado pessoal (se sente perseguida por todos, melindrosa), e isso às vezes me dá uma canseira… Mas quem a incentivou pra tirar carteira de motorista, apesar da falta de apoio do próprio namorado? Quem a incentivou pra ingressar numa pós-graduação? Quem disse a ela que ela podia ter o próprio carro, pra se locomover com mais independência, sem precisar do pai/namorado pra tudo? Ganhei até presente quando ela passou de primeira no exame de habilitação! E confessou ainda que se não fosse por mim, não teria se motorizado… Fiquei feliz. Nossas diferenças não se sobrepõem a todo o resto. Não rola essa coisa de ou é minha super amiga ou é minha inimiga mortal. As relações humanas são bem mais complexas que esse maniqueísmo jogado pela mídia.
[…] – Guerra de mulheres? Ha. Ha. Ha. […]
Que alegria encontrar este texto logo cedo! Ganhei o dia. O LuluzinhaCamp é exatamente para mostrar isso: que as diferenças são a cola que nos une. Mais que tudo: a gente pode fazer o que quiser, do jeito que quiser. E acho importantíssimo poder falar de tudo o que habita o nosso vastíssimo universo sem pré-conceitos.
A verdade é que sempre existirá gente com quem cada uma não se bica. Ainda bem! Eu não tô no mundo pra gostar indiscriminadamente de todo mundo. E fico mais que feliz de ver que a gente está conseguindo conscientizar gente que nunca pensou em gênero, a não ser pejorativamente, para outras dimensões que vão além do seu próprio mundo.
E viva a mulherada – seres humanos fortes, solidários, presentes e caridosos – que sempre está disposta a sair da zona de conforto para encontrar pessoas.
beijo
Gente escrota tem por aí, o tempo todo, independentemente de ser mulher, homem, homo, bi, travesti, transex.. E criou-se este mito de que mulheres são sempre as algozes das próprias mulheres. Tenho amigas muito queridas, a quem desejo todo o bem.. e são as irmãs e mães e vizinhas que me salvam quase sempre. Parabéns mais uma vez pelos textos e militância. Conte conosco!