Lendo páginas, perfis e blogs feministas recentes percebi que boa parte deles parte do princípio de que feminismo é para apoiar mulheres e denunciar situações nas quais mulheres se sentem ou são discriminadas. Li coisas como “encontro feminista é melhor que terapia“, “só se pode confiar em mulheres“, “feminismo é sobre mulheres“, “macho tem de ser segregado“, “o feminismo te deixa forte“, “acho empoderador mandar um macho calar a boca“. Os coletivos feministas tornaram-se, dizem, um espaço para apoiar mulheres.
Essa perspectiva é um equívoco e tem graves implicações políticas.
O movimento feminista é um movimento social que luta por direitos para mulheres: igualdade jurídica, educação, voto, trabalho, liberdade de relacionamentos e sexual, planejamento familiar. Se o Estado não responde adequadamente há consequências: é interpelado judicialmente e são organizadas intervenções para discutir políticas públicas ou alterações legislativas que efetivem o direito reivindicado.
A luta por direitos para mulheres é histórica e está em andamento: há muitos direitos a serem mantidos, outros tantos a serem conquistados, e vários em vias de serem perdidos.
Muitos grupos feministas, no entanto, parecem estar mais focados na discussão de relatos pessoais, sentimentos e acolhimento típicos do espaço terapêutico. Buscam casos semelhantes para relembrar os sentimentos vividos e reforçar os vínculos do grupo, procuram culpas e estimulam catarses emocionais. Confundem “empoderamento” com identificar homens como inimigos, estimulando xingamentos que, em outras circunstâncias, seriam considerados grosseria gratuita e falta de educação. Estimulam discussões emotivas e ataques pessoais aos discordantes ao invés de debate com argumentos. E evitam fazer os passos seguintes do acolhimento: encaminhamento das pessoas tanto para atendimento terapêutico profissional quanto mobilização por direitos.
Para lutar por direitos é importante ter uma agenda propositiva, concreta, criada a partir de discussões e conceitos jurídicos. Não basta afirmar “tal situação é machista” ou “a culpa é sempre do homem”. É necessário ir além das análises simplistas. O foco deve ser em questões discriminatórias que possam sofrer intervenção jurídica (seja administrativa, judicial ou legislativa). E é necessário ir além das culpas generalizantes, rancores e rótulos, incentivando responsabilidade e novos comportamentos. Afinal, seres humanos são capazes de aprender a ser menos sexistas e a debater e discordar com civilidade.
Coletivos feministas que se pautam por medos e ódios estão tão imersos em emoções que não conseguem adotar o distanciamento necessário para lutar por direitos, gastando seus esforços na tentativa de criar micro-espaços pretensamente seguros. Dada a variedade de experiências pessoais, o medo ou ódio aos homens é questão que deveria ser resolvida individualmente com ajuda psicoterapêutica para se aprender a lidar com os próprios medos em qualquer tipo de situação (previsível ou imprevista) e espaço (seja ele seguro ou não). Pode-se objetar que não há profissionais suficientes; que tal lutar pela ampliação do direito de atendimento terapêutico, ou para que estes casos tenham o direito de atendimento prioritário? Essas possibilidades são exemplos simples, mostrando que é possível ir além do caso individual, promovendo ações que estimularão autonomia e melhorarão a vida das diversas pessoas atendidas.
O foco no sentimentalismo de casos individuais, o anseio por solução midiática e a viralização em redes sociais (que pode se tornar um caso de linchamento moral, com desdobramentos judiciais) acabam ofuscando a luta por direitos. E também é nítida a ignorância ou desprezo aos direitos já conquistados quando são feitos comentários como “não temos direitos“, “não vou procurar resposta judicial porque não quero fortalecer o Estado” ou “não importa o que dizem a Constituição ou a legislação“, mesmo quando se está aplicando a Lei Maria da Penha.
Precisamos repensar essas abordagens porque são uma sequência de erros estratégicos: desprezar direitos conquistados, não atuar na esfera jurídica, segregar simpatizantes (tanto homens quanto mulheres) e seguir apenas como espaço de acolhimento. Grupos conservadores, enquanto isso, ampliam seu discurso político e jurídico, interferindo maciçamente no Estado para criar leis e políticas públicas que reduzem direitos para mulheres e ampliam discriminação de gênero.
Em 2008 fiz as perguntas sobre direitos que se tornaram o teste “Você é feminista?“. Ele foi e ainda é uma forma de lembrar que estamos lutando por direitos.
Nos últimos anos venho enfatizando em conversas e palestras a necessidade do movimento feminista retomar a discussão por direitos. Terapia é importante e muda vidas quando é feita por profissionais da área. Mas não se pode esquecer do principal: o objetivo de movimentos sociais não é fazer terapia e acolhimento, é lutar por direitos.
Estou aqui batendo palmas.
Precisamos de coerência ou tudo o que o feminismo construiu será trocado por “espaços seguros”, sem homens, sem TW e sem direitos.
Alguém precisava fazer esse texto, muito obrigado!
Genial
Eu tenho vivido uma situação paradoxal, pois uma hora me aproximo do feminismo, outra hora me afasto. O seu texto me dá um pouco de esperança em continuar me engajando, mesmo percebendo que muitas “feministas” têm aderido a um discurso de ódio, travando uma verdadeira guerra contra os homens, como se fomentar o conflito fosse a solução. Observei que muitas que criticaram seu texto o reduziram de tal forma que, para quem não leu, ou leu e não entendeu, ficou parecendo que a sua única preocupação foi a de mandar feministas para a terapia ou para buscar soluções no “ineficiente” judiciário. Todo o contexto ficou perdido. Lamentável.
Excelente texto, eu penso o mesmo, é complicado debater dentro do movimento feminista por tudo que você apontou. Eu venho aqui convida-la a participar do nosso grupo no Facebook “Mulher na Rede Politica”, o nosso assunto:
“O grupo destina-se promover a interação e o debate entre as pessoas que se interessam por política voltada para a igualdade entre gêneros. Nossa intenção é somar forças para cobrar e pressionar sobre questões que sejam um problema para mais dá metade dos eleitores, que são mulheres. não descartando as lutas de outros gêneros que terão nosso apoio. Mesmo que você não seja mulher, mas acredita que a igualdade de gênero e as lutas femininas são de grande importância para a justiça social nos apoie.”
https://www.facebook.com/groups/mulher.na.rede.politica/
Sensacional o texto!! Me super identifiquei. Há um tempo vivi um relacionamento abusivo. Após passar pela fase do ódio, do autoperdão, por ter se permitido a tudo aquilo, passei a objetivar as questões, reivindicando, apenas, o que me toca quanto aos direitos…
Concordo!! o fato de que muitas militantes feministas verem os homens como elos da mesma corrente e que ” ver o diferente como igual ” é enorme indicação de análise ou terapia. Admirável o currículo da autora do texto ! Parabéns !
Obrigada! Alguém precisava fazer este texto 🙂
Eu acho correto que seja um espaço de acolhimento, mas não terapêutico. Pior ainda se for na intenção de ser “psico” terapêutico na qual essas feministas querem assumir o lugar de “psicólogas” sendo que algumas vezes as tais radfems cometem absurdos que seriam aberrações em uma psicoterapia séria e ética. Parabéns pelo seu texto muito corajoso!
Nossa, não sei nem o que dizer. Minha vontade é levantar da minha cadeira e aplaudir esse texto de pé! Compartilhando já!
Perfeito o texto. Aqui no Brasil temos infelizmente uma “cultura do xingamento” que transforma propostas que são corretas em sua essência – como o feminismo – em uma lógica de confronto exagerada, que descamba para um discurso de ódio. Argumentos são ignorados, ou utilizados apenas para identificar “de que lado vc está”
Excelente pró!
Um pouco de luz na discussão ajuda muito. Obrigado pelas suas observações, Cynthia.
Sensacional
Eu acho absurdo ver no facebook páginas como Feminismo sem demagogia se auto intitulando feminismo marxista ou Empodere mulheres levantando bandeiras lésbicas, ora o feminismo não é para lésbicas, é para MULHERES em geral, o feminismo não é marxista, nem de direita nem de esquerda, as mulheres estão se perdendo no conceito e no debate e pior, proibem qualquer uma que discorde de que o feminismo deva ser apartidário de discordar, proibir alguém de discordar é censura, é o mesmo que dizer “olha somos todas iguais, mas umas mais iguais que outras e se você não concorda comigo, estão contra mim” e zap, bloqueada de comentar na página…Algum dia tudo isso irá se encaixar, por enquanto as mulheres só estão chorando as pitangas de relacionamentos abusivos e detectando até problemas onde não existem. Aguardo que tudo isso mude, para o bem de todas.
[…] é bem forte nas redes sociais e tem recebido cada vez mais atenção da grande mídia. Mas tem perdido o foco da luta por direitos e dificultado diálogos. Tenho me sentido um pouco de volta a 2004, quando […]
Muito bom. Vivo falando isso para as pessoas, que estamos vendo muitos discursos inflamados e poucas ações.
[…] movimento feminista. Continuo defendendo que feminismo não é grupo para terapia informal mas para luta por direitos para mulheres, e que, para isso, o caminho é modificar a legislação e promover políticas públicas. Quando […]