ministra Carmen Lúcia usando calça comprida no STF

Há exatos dez anos eu era caloura do curso de Direito, e tive uma aula que envolveu discussão, no mínimo, do tempo da minha bisavó: candidatas a um concurso público na área jurídica foram proibidas de entrar no prédio para fazerem prova por estarem usando calças compridas, sendo que o regimento exigia o uso de saia. Para não perderem a prova, as candidatas tiraram as calças e entraram usando blazer e calcinha, embora isso também pudesse gerar problemas, pois estavam em trajes sumários, também proibidos pelo regulamento.

Impossível não lembrar desse episódio bizarro ao ler, ontem, que o grande destaque do noticiário jurídico foi a ministra Carmen Lúcia ir ao STF usando calças compridas. Todas as notas destacam que essa postura dela pode melhorar a situação das advogadas e visitantes do STF. Vejam que maravilha a vida das minhas colegas, segundo a Conjur:

Constantemente, os seguranças do plenário barram as visitantes que trajam calça do tipo corsário — um pouco mais curta que a normal — mesmo que acompanhada de blazer combinando. Casaquinhos de malha mais fina também não são permitidos. Hoje, comprimento, modelo dos trajes e até o penteado dos cabelos são alvos dos seguranças

Mais triste é ler essa nota da Cam Seslaf:

Em dezembro de 2006, ter de ouvir de uma funcionária da portaria do Supremo Tribunal Federal o condicional “tá de saia?” (a doutora estava sem blazer) para poder subir no prédio é tão surreal que chega a ser ofensivo.
E olha que nós temos uma presidenta.

Sim, em pleno 2007, temos um tanto de gente que, sem nada mais sério pra fazer, se diverte criando e mantendo burocracia, exigindo (ou não) o uso de blazer num calor de 30 graus, e controlando comprimento de saias e uso de calças, além dos penteados das mulheres. É lamentável que, com tanta coisa importante pra arguir, na sabatina da Ministra Ellen Gracie no Senado perguntaram se ela continuaria usando saia (e ela disse que sim, pois gosta desses códigos demodés ).

Sinceramente, eu preferia que essa energia fosse gasta em coisas mais úteis. Prefiro saber quais são os posicionamentos da ministra do que o tipo de roupas que ela usa. Prefiro não saber como os demais ministros se vestem (mas torço pela abolição do terno e gravata). Prefiro lutar para que as mulheres não tenham de sofrer restrições de roupas ou cabelos, sejam essas restrições criadas por uma burocracia qualquer ou pelo humor de quem cuida da portaria. Torço para que a única preocupação das advogadas se torne a defesa de seus clientes, e que elas não precisem gastar tempo pensando se, ao usar determinada roupa, elas conseguirão ter acesso ao local de trabalho.

Pra quem ainda não entendeu a polêmica das calças, pois em 1997 eu ainda não havia entedido isso: mulheres “direitas” só passaram a usar calças em meados do século XX. O judiciário, como está pelo menos um século atrasado no que se refere a direitos femininos, ainda tem medo de as mulheres, ao usarem calças, se tornarem iguais ou ficarem “mais masculinas” que os homens. Pra manter as “doutorinhas” em seu lugar, nada melhor do que criar um código bem tradicional, repleto de mitos da feminilidade e de “não podes”, que reforça a diferença entre homens e mulheres, e faz com que elas sejam reduzidas à aparência, em detrimento do trabalho intelectual realizado.