Vi na Denise: alguns malucos obcecados com a idéia de corpo perfeito dos dias atuais tiveram a ousadia de alterar digitalmente uma foto da Simone de Beauvoir nua para o corpo dela (especialmente as pernas) ficarem mais próximos do padrão atual. A palhaçada foi feita em uma reportagem em homenagem(!) a Simone, como se a vida e obra dela se resumissem a um corpo falsificado e uma vida amorosa pouco convencional.

Quando as pessoas falam de 1984, do Big Brother de Orwell, etc, lembram-se de que quem controla o passado, controla o futuro, e aplicam isso à liberdade de expressão. Pois os tempos mudaram, e agora estão (na verdade, continuam) controlando o corpo das mulheres: o corpo do passado não serve mais, e precisa ser editado para corresponder ao corpo do presente. E é assim que apagamos a história das mulheres: da diversidade de corpos aos corpos iguaizinhos, plastificados e retocados.

Sobre o impacto da edição da foto e suas implicações, vale a pena ler o artigo de Paula Sibila denominado “A bunda de Simone de Beauvoir“:

Tanto em vida como após a morte de ambos, o casal que encarna o existencialismo já freqüentou as páginas desta revista: não apenas com seus próprios artigos, entrevistas e manifestos, mas também nas profusas citações motivadas pelas contendas das últimas décadas. Entretanto, pelo menos até hoje, sempre o fizeram pudicamente vestidos, e a bunda de Sartre jamais foi estampada na capa.

Mesmo neste confuso século XXI, no qual os costumes e os moralismos enrijecessem sem evitar (e nem contradizer) uma expansão dos códigos pornográficos, ainda é inconcebível que isso venha a acontecer algum dia. Por mais bonitas que fossem a foto e a bunda do filósofo em questão, dificilmente iriam ilustrar a capa desta publicação -ou mesmo de qualquer outra. Isso é válido para Jean-Paul Sartre, mas também para qualquer outro escritor ou pensador que conjugue seu nome em masculino.

Essa constatação evidencia, aos gritos, uma verdade que teima em ser ignorada: as lutas feministas pela igualdade não ficaram tão obsoletas como pode parecer, e a obra de Simone de Beauvoir talvez não deveria estar tão fora de moda como insinua o vulgar recurso à sua bunda nas comemorações do seu centenário.

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