Como desdobramento do absurdo de colocarem mulheres na mesma cela que homens, ouvi muitas coisas estranhas nos últimos dias, embora as pessoas não percebessem que estavam reforçando preconceitos relacionados à sexualidade.

Um deles me impressiona profundamente, que é a tolerância com as violações sexuais existentes em prisões. As leis do mundo fora da prisão continuam valendo dentro dela, e isso inclui a violação da liberdade sexual. Se alguém comete um estupro ou atentado violento ao pudor em uma instituição prisional, deve ser punido. Não é porque alguém está cumprimento pena, ou aguardando julgamento, que está isento de ser punido pelos crimes que cometer durante esse período. Ou vocês acham que um preso que mata o colega de cela não vai ser julgado pelo homicídio? O mesmo raciocínio deve ser aplicado para questões sexuais.

Quando as pessoas falam em prisões, falam também que os homens presos sentem falta de sexo, e que seria “natural” nessas condições estuprarem assim que tivessem uma ocasião oportuna para isso. O que estão dizendo é que os homens devem ter suas necessidades sexuais satisfeitas na hora que eles querem, não importando a vontade da pessoa estuprada. Na prática, isso significa que, se um homem não praticou sexo nos últimos dias, ele está num estado desesperador, podendo estuprar qualquer pessoa que aparecer na sua frente para para resolver a situação.

Quem endossa esse raciocínio está, no mínimo, fazendo um discurso de legitimação do estupro, adotando o ponto de vista do agressor, e ignorando o direito da outra pessoa de recusar o ato sexual. Por incrível que pareça, ainda tem gente que pensa assim: consideram que a culpa do estupro é da vítima que “provocou” uma sensação “incontrolável”; acreditam que o marido “pode” estuprar a esposa na constância do casamento. Em comum, jogam para a vítima a responsabilidade de adivinhar (como?) que o homem está a um passo da violência. Se ela não percebe isso, “merece” o estupro”. Se se trata de uma pessoa presa, “merece” sofrer. O que importa é a satisfação do agressor, afinal, trata-se de um caso de “urgência” sexual (seja lá o que isso signifique).

Alguns dirão que essa legitimação do estupro só vale para a prisão, pois os homens viram animais nela. Falam isso como se o fato de ter cometido um crime fizesse a pessoa deixar de ser humana! E mais ainda: pensam que o preso é um idiota, sem bons modos e sem condições de se controlar, sexualmente ou não. Tenho certeza que a vida na prisão funciona de forma contrária, um preso vai saber muito bem se controlar, e não vai, por exemplo, afrontar ou atacar sexualmente o carcereiro. Então por que presumir que, em questões sexuais, ele é incontrolável e insaciável? Se o fosse realmente, não escolheria vítima.

Existem inúmeras nuances sobre esse tema, inclusive se abordarmos a sexualidade feminina ou a homossexualidade. Não vou falar de tudo aqui, pois renderia um tratado. Mas acho importante pontuar esses preconceitos, para mostrar que ainda estamos impregnados de um cultura machista que legitima o exercício do poder masculino através da violação da liberdade sexual.
Mudamos muito nos último século, e parte dos preconceitos migrou para o mundo fechado das prisões. Precisamos ficar alertas para que eles deixem de existir nas prisões e não retornem para a sociedade.