As luluzinhas perguntam: pra que serve a tecnologia? E a primeira coisa que me vem à mente é uma obviedade: serve para simplicar processos, facilitando a vida.

Mas as coisas não são tão óbvias assim. Tecnologia também pode ser uma forma de complicar a vida. Basta pensar no quanto um celular pode permitir o controle de outras pessoas, ou o quanto usar a internet pode transformar finais de semana de descanso em trabalho pesado. Isso sem falar das boas intenções que causaram grande destruição, como os computadores utilizados para simplificar o censo alemão e que, na verdade, facilitaram enormemente o extermínio de judeus.

Já vi muita gente considerar que a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho só foi possível por causa dos avanços tecnológicos, especialmente em relação a eletrodomésticos. Acho essa visão totalmente infundada. Mulheres pobres sempre trabalharam, inclusive como operárias, e não tinham acesso a eletrodomésticos (que podiam ser considerados objetos de luxo). E mulheres ricas sempre pagaram outras mulheres para fazer os serviços domésticos.

O que a tecnologia fez foi simplificar o trabalho doméstico ao ponto de um homem, sem ter recebido treinamento adequado, poder fazer atividades domésticas e viver sozinho com bastante autonomia. Mas, para as mulheres das décadas de 50 e 60, o impacto da tecnologia pode ter sido bem menos libertador.

Cada avanço científico que poderia ter libertado a mulher do trabalho de cozinhar, lavar, passar, proporcionando-lhe tempo para outras atividades, passou a impor-lhe maiores esforços, fazendo com que as tarefas domésticas não só preenchessem o tempo disponível, como nem sequer pudessem ser realizadas no decorrer do dia.

O secador de roupa automático não poupa as quatro ou cinco horas por semana que ela passava pendurando roupas se, por exemplo, resolver ligá-lo diariamente. Afinal, ainda é preciso carregar e descarregar a máquina, separar as peças, guardá-las. É como dizia uma jovem mãe:

— “Agora podemos ter lençóis limpos duas vezes por semana. Há dias, quando o secador enguiçou, a roupa de cama teve que durar mais tempo. Todo mundo se queixou. Todos nos sentimos sujos. Eu fiquei com remorsos. Não é um absurdo?”

A moderna dona de casa americana gasta muito mais tempo lavando, secando e passando do que sua mãe costumava gastar. Caso possua um congelador e um liquidificador, passa mais horas na cozinha do que a que não possui utensílios que economizem trabalho. O congelador, pelo simples fato de existir, ocupa tempo: ervilhas cultivadas no quintal precisam ser preparadas para congelamento. É necessário usar o liquidificador, aventurando-se naquelas receitas complicadas, com purée de amêndoas e nozes, que levam mais tempo no preparo que costeletas de carneiro.

Fonte: FRIEDAN, Betty. Mística Feminina. Petrópolis: Vozes, 1971. p. 208

Notem que, por mais que tecnologia seja considerada libertadora, há momentos em que pode servir para manter ou intensificar um sistema de opressão. Portanto, além de perguntar para quê a tecnologia serve, é importante também perguntar a quem ela serve. No caso dos eletrodomésticos, inicialmente aumentou as tarefas domésticas das mulheres, ao mesmo tempo que facilitou a independência dos homens, que não sabem usar uma vassoura (tecnologia fantástica, mas considerada pouco masculina), mas são fãs do aspirador de pó.

Tecnologia é para nos servir, para simplificar processos e facilitar a vida, sim. Mas precisa ser utilizada de forma equilibrada, sensata, sem reforçar estereótipos (“homem não pode fazer trabalhos domésticos para não se feminilizar”), criar obrigações (agora que temos a tecnologia X, precisamos utilizá-la em todas as oportunidades possíveis), enlouquecer pessoas (se sentir sujo/a porque não troca a roupa de cama diariamente? tsc, tsc), prejudicar o ambiente (calculem quanta água foi gasta desde a maravilhosa – sem ironia – invenção da lavadora de roupas, aliada à obsessão por limpeza). Em outras palavras, temos de ter muita atenção para que a tecnologia, ao invés de facilitar, não prejudique ou atrapalhe a nossa vida.

Este post pode soar pessimista, mas é só impressão. Com certeza, os usos prejudiciais são muito, muito, muito menores do que os usos benéficos da tecnologia. Mas os danos podem ser gigantes. Por isso, temos de ter cuidado para que os excessos não aconteçam, a ponto de, entre outras coisas, ignorarem que mulheres gostam de gadgets, ou que o trabalho triplique, ao invés de diminuir, por causa de alguma inovação tecnológica.